Depois de três anos em cartaz e colecionar prêmios importantes do teatro, o musical Sassaricando chega a Goiânia para duas apresentações no Teatro Madre Esperança Garrido, do Colégio Santo Agostinho, sábado, às 21 horas e domingo, às 20 horas (27 e 28/03).
Com roteiro de Sérgio Cabral e Rosa Maria Araújo, o espetáculo já foi visto por mais de 200 mil espectadores em diversas cidades. Gravado em CD/DVD, saiu do palco e ganhou a avenida como bloco do carnaval do Rio de Janeiro. Cerca de 100 marchinhas são interpretadas pelo afinado elenco formado por Eduardo Dussek, Inez Viana, Janaína Diniz, Alfredo Del Penho, Beatriz Faria, Pedro Miranda e Pedro Paulo Malta.
Em março de 2007, tive a oportunidade de assistir a apresentação de Sassaricando, no Teatro Guairá, dentro da programação da Mostra Contemporânea do Festival de Curitiba. Matéria do musical e entrevista com Sérgio Cabral e Rosa Maria Araújo, publicada no Popular, pode ser lida neste blog.
Musical: Sassaricando
Roteiro: Sérgio Cabral e Rosa Maria Araújo
Direção: Luiz Felipe de Lima
Direção musical: Cláudio Botelho
Cenário: Charles Möeller
Data: Sábado, às 21h e domingo, às 20h
Local: Teatro Madre Esperança Garrido do Colégio Santo Agostinho (Av. Contorno – ao lado do Supermercado Tático, Centro)
Ingressos: R$ 30 (inteira). Estudantes, idosos acima de 65 anos e assinantes do Popular pagam meia entrada)
SASSARICO NO TEATRO
Pode parecer tendência, dado o grande número de projetos em cartaz em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas não é. Desde os tempos do teatro de revista, os musicais sempre tiveram sua vez no teatro brasileiro. No Festival de Teatro de Curitiba, realização da Calvin Entretenimentos, que prossegue até 1º de abril, os musicais são um dos grandes destaques da grade de programação da mostra oficial.
Dos 21 espetáculos em pauta, 6 são musicais. Sassaricando, sucesso absoluto durante dois meses no Rio, é um deles. Uma semana antes da estréia, segunda-feira à noite, os ingressos para as duas sessões no Teatro Guaíra, o maior da cidade, já estavam esgotados. A enorme procura pelos bilhetes justifica o interesse do público: o musical explora com muita competência as marchinhas de carnaval. Não há quem resista ao ritmo contagiante, mesmo uma platéia considerada fria e comportada como a de Curitiba.
Escrito e roteirizado por Sérgio Cabral, colecionador, escritor e um dos maiores conhecedores da música brasileira, em parceria com a pesquisadora Rosa Maria de Araújo, o musical arrebata platéias de todas as gerações, apesar de a maioria das músicas pertencer a outros tempos. Sérgio e Rosa Maria pinçaram do extenso repertório da festa músicas dos anos 1920 a 1970. A partir do Abre-Alas de Chiquinha Gonzaga, a primeira marchinha carnavalesca, não faltou representante. Tem Braguinha, morto às vésperas do carnaval deste ano, Lamartine Babo, Wilson Batista, Roberto Martins, Mário Lago, Ary Barroso, Zé Kéti, Alair Pires, Max Nunes, Haroldo Lobo e tantos outros esquecidos pelo tempo.
Muitas marchinhas do musical são apresentadas em duos Com arranjos do diretor musical Luís Felipe de Lima, maestro da banda que acompanha ao vivo os veteranos Eduardo Dussek, Soraya Ravenle e Sabrina Korgut e os estreantes Pedro Paulo Malta, Alfredo Del Penho e Juliana Diniz – jovem revelação, neta de Monarco, um dos grandes compositores de samba –, o musical foi dividido em blocos de marchinhas. Em duas horas de show, o grupo interpreta 89 músicas imortalizadas nas vozes de Emilinha Borba, Marlene, Carmem Miranda, Aurora Miranda e Dalva de Oliveira, escrevendo de forma vibrante uma crônica da vida e dos costumes do Rio de Janeiro de outrora.
Sem dramaturgia, a música bem-humorada, brincalhona, satírica, maliciosa, enfocando o cotidiano da cidade, a brejeirice da morena, a beleza da mulata, as mazelas políticas, econômicas e sociais, os relacionamentos familiares, o bêbado e as dificuldades da vida ditam o roteiro do espetáculo. Hoje consideradas politicamente incorretas, as composições são muito divertidas. A seleção passa pelas clássicas Estrela Dalva, Máscara Negra e Bandeira Branca até Cabeleira do Zezé, Sassaricando e Turma do Funil.
TemporadaO musical estreou em 25 de janeiro, no Rio, um mês antes do carnaval. Deveria cumprir uma curta temporada, no máximo até a festança de Momo. O sucesso extrapolou a expectativa dos autores e artistas, e acabou ficando dois meses em cartaz, com ingressos esgotados. Lançado simultaneamente pela gravadora Biscoito Fino, o CD Sassaricando, com 102 faixas, esgotou duas semanas depois de chegar às lojas. Foram necessárias novas tiragens. E continua entre os mais vendidos.
A produção estava nos planos de Rosa Maria e Sérgio Cabral há muito tempo. Só a pesquisa consumiu um ano. Eles ouviram mais de mil marchinhas para extrair as 102 registradas em CD. Juntos, escolheram os atores. Convidado para dirigir a produção, o expert Cláudio Botelho optou pela divisão em blocos, ressaltando os tipos físicos, a opção sexual dos personagens, o trabalho doméstico, o velhinho assanhado, o tempo de Getúlio Vargas (fã do teatro de revista e das vedetes) e outros.
Enquanto conversa com a imprensa, Sérgio Cabral contextualiza o papo cantarolando cada marchinha. “O musical é como se fosse uma charge. Faz uma crônica alegre e divertida de um período muito rico da história do carnaval”, explica. Apesar das muitas ocupações, Sérgio acompanha, com Rosa Maria, o passo-a-passo a produção, programada para reestrear no Rio em 3 de maio, atendendo a insistentes pedidos. “Não são só as velhinhas que adoram o espetáculo, que choram quando ouvem as marchinhas, e revivem os tempos de mocidade, quando tudo era mais simples, mais ingênuo. Pessoas de todas as idades têm se emocionado”, garante Rosa Maria. Há convites também para uma temporada em São Paulo a partir de julho. “Nos surpreendemos com o sucesso. Confirma que o gênero não está morto”, afirma.
Uma invenção de carioca
Com a experiência que o consagra como o maior pesquisador de MPB, Sérgio Cabral assegura que a marchinha foi invenção do carioca, mas tem tudo a ver com o povo brasileiro. “Foi difícil fazer a seleção. Temos uma quantidade impressionante de material de excelente qualidade. Nossos compositores têm enorme criatividade. Pode até ser que as pessoas não conheçam o compositor, mas com certeza conhecem as músicas”, ressalta o autor de biografias de personalidades da MPB. Segundo ele, a música americana rendeu vários filmes e justificou a criação da Broadway. “Por que não podemos fazer uma Broadway no Brasil? Temos músicas e personagens de sobra”, argumenta.
Criado por Charles Möeller, o cenário de Sassaricando remete aos arcos da Lapa, reduto da boemia carioca. Os figurinos em cores sóbrias e sem exageros, desenhados por Marcelo Marques, resgatam os tempos áureos das vedetes. Coreografados por Renato Vieira, os atores bailarinos enriquecem o espetáculo com passos comportados das marchinhas.
Diante do enorme interesse do público, Sérgio Cabral e Rosa Maria têm planos de vida longa para a produção. Têm também outras pesquisas em andamento que podem render outros musicais. Material não falta, afinal o pesquisador possui uma das maiores coleções de música brasileira. “Antigamente, eu tinha um acervo em casa. Hoje, tenho uma casa acervo”, revela Sérgio Cabral.
Matéria publicada no Popular, edição de 28/03/2007