quinta-feira, 28 de dezembro de 2017




  ANZÓIS NO AQUÁRIO
                     
                      
                                INTRIGA NOS BASTIDORES DO TEATRO

Alex Amaral e Jonatas Tavares


Dramaturgo com diversas peças encenadas e publicadas, Hugo Zorzetti é um dos nomes mais importantes da dramaturgia em Goiás e um dos melhores comediógrafos do País. Desde os anos 1960, atua como autor e diretor de suas peças, a maioria encenada pelo seu  Grupo de Teatro Exercício, fundado por ele em 1972.   Zorzetti comanda um coletivo veterano de atores,  que mantém acesa a chama do grupo. Quando não atuam, os artistas dirigem as peças do mestre, trabalham na técnica, confeccionam cenários.  Diretor da peça Anzóis no Aquário,  peça que encerra a trilogia iniciada com A Barricada,  escrita por Zorzetti, em 1980, Nilton Rodrigues é um dos fieis escudeiros do autor.

Anzóis no Aquário, que estreou  em outubro no Teatro Goiânia, foi escrita para ser encenada pelo próprio Zorzetti. Devido a problemas de saúde, o projeto do autor teve de ser modificado. Trata-se do embate de um crítico teatral em fim de carreira, prepotente e arrogante, vivido por Jonatas Tavares e um ator medíocre que só faz espetáculo infantil, papel entregue a Alex Amaral. Conflitos humanos e bastidores do teatro que Zorzetti tão bem conhece são expostos sem meias palavras. 

O ator sonha interpretar um personagem de Shakespeare e, dessa forma comprovar seu talento. O crítico, por sua vez, não poupa farpas às pretensões do artista, ressaltando as suas limitações.  O confronto entre os dois é duro. Enquanto o crítico tenta impor seu ponto de vista, o ator fica na defensiva o tempo todo, expondo suas fraquezas. A discussão entre os dois  deveria render grandes momentos. Infelizmente não é o que acontece. Alex Amaral não consegue acompanhar o alucinado crítico de Jonatas Tavares. Durante toda a encenação,   Jonatas domina a cena com sua forte presença cênica, ofuscando completamente o pretenso grande ator de Alex Amaral.  A direção de Nilton Rodrigues não consegue conter o  desequilíbrio entre os dois.
      
Anzóis no Aquário não é uma das melhores peças de Hugo Zorzetti, autor com senso de humor refinado e tiradas engraçadas. O texto é longo, excessivo. Tem muitas divagações e monólogos.  O espectador que não conhece as picuinhas que rolam nos bastidores do teatro e da imprensa não consegue acompanhar o desenrolar da trama.  Infelizmente, a crítica teatral hoje é raridade. Praticamente inexiste nos jornais e revistas brasileiras. Houve época de ser acirrada,  incomodar atores, diretores, produtores.  Uma das mais ferrenhas críticas do teatro brasileiro, a carioca Barbara Heliodora, do jornal O Globo, destroçava espetáculos e atuações. Colecionou desafetos. Com sua morte, a crítica ficou órfã.
     
Anzóis no Aquário, que já foi apresentada em Anápolis, deverá pegar a estrada em 2018 para apresentações em diversas cidades.  Ainda depende de patrocínio para fazer a turnê.    
        

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017



                                        MESTRE HUGO SAI DE CENA 

Hugo Zorzetti


Meu primeiro contato com Hugo Zorzetti aconteceu numa longa entrevista concedida por ele ao jornal O Popular, na época da criação da Escola de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, da qual foi idealizador e fundador no ano 2000. Já tinha assistido peças  do seu Grupo Exercício e conhecia sua capacidade intelectual. Tivemos outros encontros para falar de teatro, do lançamento de seus livros e de assuntos relacionados ao fazer teatral, meandros que conhecia como poucos. Confesso que fiquei surpresa ao conhecer uma pessoa com tanta sabedoria, clareza de raciocínio e com todas as informações que buscava.  


Professor de Língua Portuguesa, Hugo Zorzetti migrou para as aulas de teatro com naturalidade. Fazia teatro desde a adolescência, portanto sentia-se seguro na nova profissão que abraçava. Em mais de 50 anos, construiu uma carreira respeitada dentro e fora de Goiás. Morto aos 69 anos, no último dia 5 de dezembro, deixa um enorme vazio no meio cultural  e um legado incomparável.   


Fundador do curso de Artes Cênicas da UFG e do teatro do Centro de Educação Profissional Basileu França, foi seu primeiro professor e também diretor. Em 1972, criou  o Grupo Exercício. Homem de hábitos simples, reservado, era muito respeitado e uma unanimidade quando se fala em teatro feito em Goiás.  Hugo vivia teatro, respirava teatro. Era uma referência.  Escrevia peças, dirigia espetáculos, formava atores, ministrava cursos. Mesmo doente nunca deixou de redigir seus textos. Deixou uma obra inacabada, e dezenas de outras para serem publicadas.  Sua última peça, Anzóis no Aquário, estreou no Teatro Goiânia em novembro, sem sua presença na plateia.  


Expoente do teatro em Goiás, Zorzetti foi professor, ator, diretor e dramaturgo. Atuou ao lado de Cici Pinheiro, Otavinho Arantes, João Bennio e formou uma geração de grandes talentos como Mauri de Castro, Constantino Isidoro, Ilson Araújo, Nilson Rodrigues, Cristhiane Lopes, Augusto César di Nízio, Terezinha Fernandes, Juquinha (Divino Magalhães de Almeida) e muitos outros artistas goianos. Difícil encontrar algum ator que não tenha como referência o mestre Zorzetti.


 Memória viva do teatro, Hugo Eustáquio de Macedo Zorzetti  conhecia profundamente o meio em que atuava.  Nos livros que escreveu, rememorou histórias e fatos, narrou com muito humor fatos pitorescos dos primórdios do teatro. Registrou tudo o que viu e viveu em Goiânia e no interior, falou do teatro na época da ditadura.  Esmiuçou documentos históricos, organizou grupos, e empurrou para a estrada da vida garotos e garotas que sonhavam com a carreira artística. 
  

Zorzetti conquistou todos os prêmios importantes da cultura goiana, como o Tiokô, concedido pelo Conselho Municipal de Cultura e o Jaburu, do Conselho Estadual de Cultura, todos os diplomas e medalhas de honra ao mérito. Era reconhecido e respeitado por toda a classe artística.  Publicou e encenou dezenas de peças, contos, novelas, ensaios, além da trilogia Memória do Teatro Goiano – A Cena da Capital, A Cena da Ditadura e A Cena do Interior, três obras imprescindíveis para quem quer conhecer o teatro goiano. Arrebatou os jurados do Festival  de São José do Rio Preto (SP), um dos mais respeitados do País, nos anos 1980, com a comédia  Êta Goiás, ganhando o título de “maior comediógrafo do Brasil”. Foi tema de uma ampla matéria na revista Veja.  Êta Goiás teve grande repercussão, e longa temporada de  apresentações, inclusive em outras cidades. 


Sua dramaturgia é ampla. Entre suas peças  mais conhecidas estão Lições de Motim,  A Barbearia, Ópera Cínica, e O Dia em Que Reabriram a Caixego, uma crítica escancarada sobre a falência da Caixa Econômica do Estado de Goiás, que rendeu muitas críticas ao autor.  O humor teatral de Zorzetti é ácido, mordaz, sem meio termo. Leitor voraz estava sintonizado com os acontecimentos diários. Homem de esquerda, não poupava críticas ao sistema, aos desmandos da política. No seu último trabalho colocou em cena um crítico de teatro e um ator medíocre.


Início

 Nascido em Goiânia em 1947, Zorzetti faria 70 anos no dia 29 de dezembro. Com mais de 50 anos de experiência, iniciou a carreira em 1964, no auge da ditadura militar, quando ainda era estudante secundarista no Atheneu Dom Bosco. Continuou atuante no Colégio São Domingos. Mesmo avesso à TV, participou também dos primeiros tempos na televisão como integrante do quadro  Pãopular,  no programa A Juventude Comanda, do colunista Arthur Rezende, na TV Anhanguera, junto com o cartunista e ator  Phaulo Gonçalves. O quadro fazia uma sátira ao jornal O Popular. Segundo dizia, o ator Hugo Zorzetti nasceu junto com o autor. “Escrevia para consumo nosso, uma turma de aventureiros”.
A estreia no palco se deu na adaptação do livro O Pequeno Príncipe, com uma companhia do Rio de Janeiro, que veio se apresentar em Goiânia, sob a direção de Sidney Cardoso. Houve um racha no grupo e o diretor convidou atores de Goiânia para completar o elenco. Hugo era um deles. “Foi o primeiro dinheiro que ganhei com teatro”, contou em entrevista nos anos 2000. Entusiasmado com a nova oportunidade, montou a Companhia Teatral de Goiânia (CGT), em parceria com  Phaulo Gonçalves, Wander Arantes, Pedro Afonso. “Era uma pretensão. Coisa de adolescente”.  Deu tão certo a brincadeira que Zorzetti não parou, passando a escrever também os textos para encenar.  Fogo na Canjica, que ele considerava péssima, foi sua peça de estreia, porém uma “experiência maravilhosa”.


Convivendo com os expoentes do teatro, Zorzetti adquiriu experiência e conhecimento do meio cultural. Aprendeu a fazer teatro fazendo. “Minha escola foi experimentar, quebrar a cara, acertar e errar, aprender com os erros, ouvir muito. Fiz cursos, li muito, pesquisei, me aperfeiçoei. Sou um profissional do teatro. Ensino porque aprendi, leio muito, tenho uma ampla biblioteca sobre o tema, sinto-me capaz de transmitir conhecimentos. Minha área de atuação é a lingüística, a literatura, a gramática, temas  bem próximos do teatro, por isso acabei me envolvendo”, ressaltava.



Pedagogo


 Fatos do cotidiano, observações, leituras. Tudo virava assuntos nas aulas de teatro. Muito mais que um professor, Zorzetti considerava-se um pedagogo do teatro. Explorava o máximo possível a encenação, fazia demonstrações, indicava a bibliografia, exemplificava o suporte técnico a ser usado pelos futuros atores. Cada detalhe era trabalhado pelo dramaturgo, que apesar dos inúmeros convites, optou por permanecer na sua terra, fundar uma escola que desse  oportunidade a todos os jovens.  Seu sonho tornou-se realidade em 2000 quando foi realizado o primeiro vestibular para o curso de Artes Cênicas na UFG.  

Zorzetti conhecia bem o meio universitário. O Teatro Universitário Galpão foi sua primeira aventura dentro da UFG, na década de 1960. O TGU era uma dissidência do Teatro Universitário oficial, dirigido por um professor de São Paulo, que seguia, mais ou menos, a cartilha política da época. Nada podia ser muito ousado, tudo tinha de ser comportado. Isso acabou gerando divergências. Indignado com a situação, o Diretório Central dos Estudantes resolveu intervir e criar um teatro próprio com uma linguagem menos subserviente. “Estava em casa, quando chegaram os estudantes me convidando para dirigir o grupo universitário. Eu estudava na UCG. Mas, topei. Foi uma época terrível. Éramos demasiadamente perseguidos. Fazíamos a coisa clandestina mesmo”, recordava.

Os estudantes driblavam os censores. “Mandávamos um texto para a censura, encenávamos outro. Se havia algum censor na plateia, apagávamos as luzes. O ensaio geral tinha de ser feito na presença do inquiridor e fazíamos outra peça. Muitos colegas morreram, foram trucidados, assassinados pela ditadura," relatou o dramaturgo em entrevista ao Popular. 


 Zorzetti colecionava amigos. Tinha seguidores fiéis entre os milhares de alunos que freqüentaram suas aulas nos colégios de Goiânia, onde lecionou Língua Portuguesa e Literatura. No Colégio Univesitário (Colu) fundou o Teatro Experimental Secundarista, o TESE que seria o embrião do Grupo Exercício.  Não foi um período fácil. O professor sofreu muita perseguição, mas felizmente venceu a resistência da direção. “Hugo foi minha escola”, diz o ex-professor, ator e diretor Nilton Rodrigues. Ele lembra que foi debaixo de uma mangueira na casa de seu pai que nasceu o Grupo Exercício, cujo tripé é o próprio Nilton, Hugo e Odilon Camargo. 


Nilton calcula que 80% dos atores de Goiânia, a partir dos anos 1960, tiveram alguma ligação com Zorzetti, ou com alguém que trabalhou diretamente com ele. “Hugo foi peça fundamental do teatro pelos cursos que criou, as pessoas que formou e os textos que escreveu”, sublinha o diretor de Anzóis no Aquário, peça que Hugo escreveu para si e Odilon Camargo encenarem.  Trata-se da última peça da trilogia composta por O Cuspe e a Barbearia, que abordam os bastidores do teatro. “Na verdade, as peças tratam da sua própria trajetória”, diz o diretor Constantino Isidoro, da Anthropos Cia. de Teatro que dirigiu O Cuspe. 


Os atores Marília Ribeiro e Luiz Cláudio, da Cia.Novo Ato,  destacam que Zorzetti nunca cobrou direito autoral de suas peças. Há mais de 15 anos,  encenam  o esquete O Político e o Assessor, texto extraído da peça Êta Goiás, e Crônicas de Motel, e nunca pagaram por isso. “Ele era um paizão”, afirma Luiz Cláudio, ex-aluno do dramaturgo na UFG.  



Depoimentos

Nilton Rodrigues, professor, ator e diretor   

“Conheci o Hugo em 1972 no Colégio Universitário. Comecei a fazer teatro no Teatro Experimental Secundarista (Tese) fundado por ele. Nossa amizade vem desde essa época. Calculo ter feito cerca de  12 peças sob a sua direção. Hugo foi minha escola, meu mestre. Dirigi seu último trabalho Anzóis no Aquário”.


Mauri de Castro, professor de teatro, ator, diretor do Ponto de Cultura Cidade Livre

“Hugo é meu grande mestre e de centenas de atores. Verdadeiramente um homem de teatro. Um grande guerreiro. Seu trabalho tem uma qualidade maior do que de seus antecessores goianos. Atuava com ele desde os anos 1970. Fui um dos atores de Êta Goiás, uma de suas peças mais importantes. Hugo fará uma falta absurda no meio. Não há outro igual em Goiás”.


Constantino Isidoro, professor de teatro do IFG e diretor da Anthropos Cia. de Teatro

“Fui aluno do Hugo na UFG. Fiz parte da primeira turma de formandos do curso de Artes Cênicas, e ele  meu professor. Ficamos amigos desde então. Hugo era um mestre da ética. Homem politizado, sintonizado com o mundo. Uma pessoa extremamente humana, intensa, alegre, que gostava de viver. Quando dirigia focava no ator. Encenei dele Lições de Motim, O Cuspe e O Despertar da Primavera, que acaba de conquistar o Prêmio Petrobras de Circulação. Vamos iniciar a turnê em janeiro de 2018. Vou sentir muito a sua falta”.   


Ilson Araújo, ator, diretor e técnico, integrante do Grupo Exercício

“Estou no grupo desde 1976, quando conheci o Hugo. Foi ele que me fez ator, me profissionalizou, ajudou a encontrar o meu caminho de uma forma muito paternal. Devo a ele tudo o que sou. Participei de praticamente todas as suas peças. Com a morte dele o teatro ficou órfão. Não vejo ninguém com capacidade para substituí-lo. É difícil falar nele neste momento. Ele era o próprio teatro”.   



 

         





             






CIA.SALA 3




                                              “O TEATRO NOS FAZ PENSAR”

 

A Casa de Bernarda Alba


“Não saberia fazer outra coisa a não ser teatro”, diz o diretor da Cia. Sala 3,  Altair de Souza, que para comemorar os 15 anos de sua companhia organizou uma caprichada efeméride no Espaço Trip, regada a  música e petiscos em ambiente decorado com peças e adereços de seus espetáculos. Atores, diretores, produtores, figurinistas, cenógrafos e outros profissionais do teatro lotaram a casa noturna para brindar a data com o diretor de uma das mais conceituadas companhias de Goiânia, com extensa lista de espetáculos no currículo.  

 Altair de Souza equilibra seu tempo entre as aulas de teatro no Projeto Ciranda da Arte da Secretaria de Estado da Educação e sua própria companhia. Ainda encontra tempo para aceitar convites de outros grupos para dirigir.  Quando pode não abre mão de circular no Rio e  São Paulo para ver peças, adquirir novos adereços e figurinos  para suas peças. 

A paixão pelo teatro clássico levou-o à montagem das tragédias rurais do espanhol Federico Garcia Lorca. Iniciada com Yerma, a trilogia será completada no fim do ano com Bodas de Sangue, considerada obra-prima do autor. Em 2018, pretende apresentar os três espetáculos   durante uma semana para que o público tenha a oportunidade de assisti-los de uma só vez. Altair não tem do que reclamar, sua companhia tem ocupado os mais importantes espaços culturais de Goiânia, com espetáculos de qualidade destinados a adultos e crianças. Os mais recentes, Canção Desnaturada, Yerma e A Casa de Bernarda Alba fizeram temporadas e receberam comentários muito favoráveis.
A seleção dos textos, o capricho das montagens e a produção muito bem cuidada são marcas do trabalho do diretor, de 34 anos, que investe o pode nas suas criações: tempo, dinheiro, dedicação. A companhia cresce cada vez mais. Sempre chega um ator pedindo uma oportunidade e vai ficando. Atualmente, são 28 atores. Altair não tem trabalho para todos. Mas assim que surge uma chance agrega-os no elenco, na produção, na técnica, onde der.  
    
Altair ganhou seu primeiro prêmio como diretor aos 18 anos, quando ainda estudava teatro no Rio de Janeiro.  A Solidão dos Outros, uma adaptação do conto de Vera Brant, conquistou vários troféus de melhor espetáculo, melhor diretor, ator, atriz e técnica, no Festival de Teatro da Feteg, realizado no Martim Cererê, quando o espaço era um movimentado centro cultural. Foi uma tremenda surpresa para o garoto praticamente desconhecido no meio.  O prêmio foi um assustou, porque, segundo ele, havia diretores muito mais experientes no páreo, como  Danilo Alencar e  Samuel Baldani. “Na verdade, eu só queria fazer o meu trabalho. Não pensei em ganhar. Já estava no Rio quando recebi a notícia do prêmio. Minha mãe recebeu os troféus para mim”, lembra. 

 O prêmio deu ânimo ao jovem diretor, que sonhava em voltar para Goiânia assim que terminasse o curso de Artes Cênicas e investir no seu próprio grupo de teatro. “Nunca pensei em ficar no Rio. Queria trazer para Goiânia o que aprendi”, confessa. No Rio, Altair atuou como ator no grupo Gine Insano, de Araruama, e adquiriu mais experiência com professores importantes. Não chegou a ser aluno da professora e crítica de teatro  Barbara Heliodora, do jornal O Globo, muito temida pelos artistas. “Quando cheguei na UniRio, ela já havia se aposentado.  Uma pena. Convivi com muita gente interessante que acrescentaram muito ao meu trabalho, afirma.  

Sala 3
Nos anos 1990 quando surgiu, o grupo era formado por Ana Paula Carvalho, Bruno Peixoto, Franco Pimentel e outros atores em início de carreira, o que seria o embrião da companhia que ainda não tinha um nome definitivo. Tempos depois, o grupo seria batizado de Cia. Sala 3 pelo fato de ensaiar  sempre na Sala 3 do extinto CETE – Centro de Tecnologia do Espetáculo da Secretaria Municipal de Cultura. Preferido, o local era espaçoso e oferecia alternativas para a montagem de espetáculos com grande elenco.

Hoje, explica Altair, Sala 3 significa as três vertentes do seu teatro :  espetáculos infantis,  clássicos e  cultura popular. “Essas três linguagens formam a identidade da companhia”, assegura.  Depois que a SeCult acabou com o CETE, a  companhia ficou sem local para ensaiar. “Estamos em busca de um espaço para nossos encontros e ensaios. Meu sonho é comemorar os 20 anos da companhia em sede própria”, revela o diretor. Por enquanto, o grupo vai se virando como pode, ensaiando em salas emprestadas. Os cenários, figurinos e objetos cênicos são guardados em  depósito alugado. “Como somos muitos atores, e vamos abarcando cada dia mais, não queria perder essa unidade de grupo. Quero que a nossa sede seja um centro cultural onde poderemos realizadas várias coisas e receber o público”, almeja. 

Não são apenas os jovens atores que procuram o diretor para compor seu elenco. Atores veteranos também querem trabalhar com ele. Recentemente, a atriz Adriana Veloso ofereceu-se para integrar o grupo. Bruno Peixoto já está escalado para sua próxima peça. No dia 20 de dezembro, a Sala 3  vai estrear a tragédia rural Bodas de Sangue, encerrando a trilogia de Garcia Lorca. O infantil O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, de Jorge Amado, estará no palco do Teatro Goiânia em fevereiro de 2018 e fará uma longa temporada, incluindo projeto escola. 

Repertório         
Diversificar o repertório sempre foi uma preocupação de Altair de Souza. Sua pretensão era sair da zona de conforto seguindo a tendência dos grupos do Rio que trabalham com todo tipo de espetáculo, passando infantil ao adulto com a mesma qualidade. “Fazer o diferente é mais estimulante. É o diferencial”, garante.  Preocupado com a criação inédita, ele tem estimulado os atores a escreverem textos e adaptações, participarem de todas as etapas da produção. 

Nas comemorações dos 15 anos da Cia. Sala 5, todos os atores deverão participar de workshops ministrados por diretores convidados, abrindo o leque de conhecimento e aperfeiçoamento. “Os atores precisam sair do lugar comum. Estamos numa fase que é preciso atuar em todas as frentes”, assegura. Formado em Letras, o ator Andreane Lima assina o  espetáculo  Maurice, inspirado na obra do inglê E.M.Foster, que narra a autodescoberta sexual de um jovem aristocrata. Baseado nos poemas de Cora Coralina, o infantil Cora Coralinha leva a assinatura da jovem atriz Aline Isabel. “Precisamos de novos dramaturgos”, apregoa Altair.

 Altair está propondo a realização do seminário com ciclo de discussão sobre Federico Garcia Lorca, autor de três clássicos do teatro universal. “É importante o pessoal conhecer a obra, entender o universo artístico do autor, a sua poesia, sua música. Lorca tem uma importância muito grande na literatura. Conviveu com grandes nomes da cultura universal como Salvador Dalí, Luís Buñuel”, explica.    

Recursos
A Cia. Sala 3 sobrevive graças aos recursos das leis de incentivo. Nada seria possível sem o benefício e a contribuição dos atores que doam seu tempo para integrar o grupo. O que ganham é quase nada. Praticamente todo elenco tem outras atividades profissionais e mora com a família. Emprego no teatro não é fixo.  Viver de cachê é impossível. 

Altair é professor de teatro do Projeto Ciranda da Arte da Secretaria de Estado da Educação e Cultura e atua como diretor convidado de outros grupos. “Nossa luta é diária. Precisamos de muita boa vontade para desistir. Trabalhamos muito mais por amor do que por vantagem financeira”, assegura. No Ciranda da Arte, ele dirige a Trupe dos Cirandeiros e o Grupo Experimental de Teatro. O coro também está sob sua responsabilidade. O tempo que sobra, investe na companhia.  
  
Além das dificuldades de apoio e patrocínio, Altair de Souza lamenta as curtíssimas temporadas teatrais em Goiânia. Os espetáculos não ficam mais do que três dias. Depois disso,  praticamente morre. “Não há permanência das peças como nos cinemas. Goiânia possui bons espaços, bem localizados e de alto nível. Infelizmente, não há uma aposta nas produções locais por mais de um fim de semana. Às vezes as pessoas gostam do espetáculo, indicam aos amigos, mas na semana seguinte ele não estará mais em cartaz”, desabafa.   
  
Outro problema apontado pelo diretor refere-se à falta de público. “Quando comecei a fazer teatro, as pessoas iam muito pouco ao teatro. Hoje vai um pouco mais. Mas deixa a desejar. Não podemos contar com bilheteria”, lamenta, acrescentando que tem observado a mesma  situação se repete em outras cidades. Para ele, muitos são os fatores que contribuem para a falta de plateia nos teatros, entre eles a insegurança e a violência. 

Apesar de tudo, Altair é otimista. Acha que o futuro do teatro é promissor. “No mundo que vivemos com os excessos tecnológicos, chegará um momento em que será preciso investir mais no ser humano, que nos faça transgredir. O teatro nos faz pensar, e nisso ele vai investir um pouco mais. Acredito que o pessoal  vai redescobrir a força do teatro. Estamos formando plateias. Vejo o encantamento das crianças com o universo teatral. Elas são o futuro”.  

DIRETOR 

Altair de Sousa


Diretor da Cia. Sala 3, Altair de Souza começou a fazer teatro ainda menino no Colégio Marista, onde fez o ensino fundamental. Incentivado pelo professor de Literatura e diretor do Colégio Dinâmico, Álvaro Catelan, realizou o sonho de dirigir a primeira peça dentro da escola. Tornou-se então professor de teatro com direito a salário. “Quando entrei no ensino médio, já sabia que o teatro seria minha profissão”, garante.   A direção e a produção de espetáculos dentro da escola foi o primeiro passo na sua carreira consolidada com a formação em Artes Cênicas na UniRio no Rio de Janeiro, considerado um dos melhores do País. Na época, a UFG ainda não havia implantado o seu curso.

Altair de Souza revelou-se como diretor no Festival da Federação de Teatro de Goiás, nos anos 1990. Tinha 18 anos.  Mostrou que era capaz de fazer um trabalho de alta qualidade com poucos recursos. Usando móveis e objetos do próprio Centro Cultural Martim Cererê,  jovens atores à disposição e muita garra fez um trabalho que arrebatou a comissão julgadora. 

A criação da Cia. de Teatro Sala 3,  há 15 anos, foi um marco importante na carreira do diretor, que agrega atores que querem atuar sabendo que nem sempre haverá cachê .  Cioso de sua responsabilidade, disciplinado e estudioso, Altair mantém-se sintonizado com o meio artístico.  Não abre mão de conhecer as inovações da arte.
    
Ele não esconde a paixão pelo poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca, fuzilado na Guerra Civil Espanhola por causa de suas convicções políticas. Produziu as três mais importantes tragédias do consagrado autor: Yerma, drama  da jovem que dá nome à peça que deseja desperadamente ter um filho, mas o marido se nega a tê-lo, e A Casa de Bernarda Alba, tragédia da matriarca que impõe isolamento  e luto fechado às cinco filhas após a morte do marido. Agora finaliza a trilogia com Bodas de Sangue, narrativa de amor e ódio que ocorre no dia da cerimônia de um casamento arranjado. A noiva reencontra seu antigo amor e foge com ele antes de consumado o enlace, desencadeando cenas de perseguição e morte. A peça deverá estrear dia 20 de dezembro, no Teatro Goiânia.  

A inquietude do artista o leva quase sempre a enveredar por  outros caminhos: investe na comédia popular e no teatro infantil, com o objetivo de formar plateias para o amanhã.  Não se acanha em levar para o palco suas produções rebuscadas, às vezes exageradas, sejam clássicas ou populares. Provoca encantamento ao primeiro olhar com a profusão de cores e adereços. A extravagância dos cenários, figurinos e iluminação caracterizam suas montagens que se adaptam perfeitamente aos textos de Garcia Lorca. Há quem diga que são barrocos, com toda razão. Altair é intenso, sensível, envolvente. O desempenho dos atores nem sempre está à altura do texto. Mas, não chegam a comprometer de todo as produções. É sempre bom ver os textos de Lorca no palco.   

 Os atores da Cia. Sala 3 estão sendo estimulados a criar a dramaturgia da companhia. Maurice é uma recriação da obra do escritor inglês E.M.Foster feita por Andreane Lima. Cora Coralinha, baseada nos poemas de Cora Coralina, é assinada pela atriz Aline Isabel. Criar, recriar, produzir e dirigir são algumas atividades que o diretor sugere ao seu grupo o tempo todo.   Entre os trabalhos de maior repercussão da companhia, além da obra de Garcia Lorca, estão A Árvore dos Mamulengos, teatro popular do pernambucano Vital Soares, Canção Desnaturada, baseada nas canções de Chico Buarque de Holanda e A Casa das Mulheres Sem Homens, inspirada em A Casa de Bernarda Alba.