terça-feira, 25 de fevereiro de 2020


                                               PERDIDO NA SELVA

Ezequiel Vasconcelos em Arigó


 Ainda incipiente neste início de ano, a temporada teatral foi aberta na cidade com o espetáculo Arigó, do ator mineiro Ezequiel  Vasconcelos. Para chegar até a capital, ele enfrentou muitos obstáculos, como a falta de patrocínio que atinge toda a classe artística. Felizmente, com o apoio independente de diversas empresas a produtora Plataforma. Art  conseguiu proporcionar ao público de Goiânia a curta temporada da peça  no Centro Cultural da UFG, na Praça Universitária.
Sair de casa numa noite chuvosa de quarta-feira (12/02), para assistir Arigó, valeu muito a pena. Em pouco mais de uma hora, Ezequiel Vasconcelos mostrou todo o seu  potencial de um ótimo contador de história,  vivendo com intensidade o personagem Lázaro, soldado da borracha, como ficaram conhecidos com os homens recrutados pelo exército  brasileiro para extrair látex nos seringais da Amazônia, a maioria nordestinos, durante a Segunda Guerra Mundial.  A borracha era destinava à indústria americana.  
Com a simplicidade que o texto exige, e muita competência, Ezequiel Vasconcelos revive a triste página da história do País, há muito esquecida. O resgate teve início a partir das lembranças do menino Ezequiel, mineiro de Brumadinho (MG), que morou com a família até os 12 anos em Rondônia e ouvia sempre falar do drama vivido pelos  55 mil jovens garimpeiros provenientes do sertão do Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte e outros Estados do Nordeste na Região Amazônica. 
Amontoados em caminhões pau de arara, eles eram levados para Fortaleza, onde passavam por exames de saúde, recebiam vacinas e um kit composto de uniforme, sandálias, apetrechos de extração da borracha, uma rede, utensílios domésticos e duas cadernetas: uma para anotar a quantidade de látex extraído diariamente e a outra para  os gastos pessoais que seriam descontados do mísero salário que recebiam.  Interessante como o ator recriou a história de Lázaro com poucas palavras, resmungos, trejeitos, mímica e improvisações e  uma narrativa enxuta. No contexto social, insere fatos importantes com muita habilidade.  O forró na trilha musical, algumas cenas de humor extraídas de situações limite e as surpresas constante da floresta quebram a tensão da narrativa. 
O grande mérito da direção de Marcelo Morato é deixar o texto fluir e o ator improvisar nas cenas mais amargas.  Convidada para a direção de movimento, Lavínia Bizotto, ex-bailarina  da Quasar Cia. De Dança ( radicada no Rio de Janeiro), investiu nos movimentos corporais que remetem ao sofrimento físico e psicológico do personagem. Muito bem ensaiado, o texto nos leva por caminhos inimagináveis dentro da selva, ao cansaço, ao medo, a doença, a solidão e a fome daqueles homens corajosos, que ao término da guerra foram abandonados à própria sorte. Não veio também a recompensa, tampouco o reconhecimento como “heróis nacionais” prometidos pelo governo de Getúlio Vargas. A maioria morreu, foi esquecida. Alguns conseguiram voltar para casa, outros ficaram por lá mesmo.    
Arigó, nome que significa ave de arribação, estreou no Rio de Janeiro em 2019. Em seguida, fez curta temporada em Belo Horizonte, passou por Goiânia e agora segue outros caminhos em turnê.  A produção deverá estar em cartaz  nos palcos de Fortaleza, Belém, Porto Velho e Manaus, onde  a história aconteceu em um passado não muito distante.  Arigó cumpre o papel do teatro de resgatar páginas importantes , proporcionando às novas gerações conhecer fatos relevantes da história do Brasil.     
                                            

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020


                           
                       

             PERDAS E GANHOS DE UM ANO QUE TERMINA



 2019 não foi um ano fácil para a cultura de uma maneira geral. Houve muito mal entendido, bate boca e enfrentamento. Mas, também teve muita união da classe artística para pressionar os responsáveis em busca de seus direitos. Apesar de serem muitos os fatores negativos, os positivos houve muita coisa boa movimentando a cidade o ano inteiro. Concertos de orquestras, festivais, shows artísticos para todos os gostos, peças de teatro, espetáculos de dança ocuparam os espaços da capital. 
A recriação da Secretaria de Estado da Cultura foi considerada muito relevante pelos artistas, diretores, escritores e produtores culturais. A liberação do pagamento de R$ 30,7 milhões do Fundo de Apoio à Arte e Cultura (FAC) bem como sua manutenção foram outras importantes conquistas da classe. Entre as perdas estão a não realização de projetos consolidados como os Festivais de Cinema Ambiental e Canto da Primavera, a Mostra de Teatro de Porangatu, a diminuição dos valores  e atraso na publicação do edital da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e não publicação do edital da Lei Goyazes. Lamentável também foi a censura ao show de lançamento do CD do cantor e compositor Itamar Correia, na cidade de Goiás. 
Há esperança de dias melhores em 2020, como destaca o ator, produtor cultural e vice-presidente da Federação de Teatro do Estado de Goiás (Feteg), Norval Berbari. “Com o pagamento do edital 2018 e os recursos aguardados pela classe artística do Projeto Goyazes, também referente a 2018, esperamos que ainda no primeiro semestre de 2020 excelentes trabalhos e produtos ocupem os espaços culturais da cidade”.   
Veja a avaliação de 2019 feita pelos produtores culturais de Goiás     
Marci Dornelas, diretora de Políticas Culturais da Secretaria Municipal de Cultura “2019 foi um ano de muitas dificuldades. Mas, conseguimos realizar todos os projetos apesar dos cortes de verbas. No geral, o ano foi positivo. Fizemos o Festival de Artes Cênicas Goiânia em Cena, com resultado muito bom. As Leis de Incentivo à Cultura de modo geral deixaram muito a desejar. Muitas pessoas estavam com projetos organizados e aprovados e tiveram que cancelar”. 

Laila Santoro, produtora cultural e Conselheira Municipal de Cultura
“Vivemos um retrocesso cultural  na esfera estadual e federal. Tivemos como base apenas a Lei Municipal de Cultura. Foi muito triste ver tanta conquista sendo perdida. O que foi muito bom, foi a união da classe artística para se fazer ouvir, mesmo sob pressão. Promovemos muitos encontros, debatemos e conseguimos reverter algumas situações a nosso favor. Outo ponto positivo, é o surgimento de ideias inovadoras e criativas como os patrocínios diretos, vale ingressos para o teatro, shows alternativos, abertura de novos espaços culturais. Acho tudo isso muito bacana”. 

Nilton Rodrigues, ator e diretor do Grupo Exercício de Teatro
“Não costuma ser fácil a vida de quem atua na área cultural em Goiás. 2019 esmerou-se a tal ponto que o acontecimento que talvez pudesse ser citado como a maior conquista figura como a pior: o ressurgimento da Secretaria de Estado da Cultura, que ainda não cumpriu o seu papel. Quando esteve à frente da secretaria, o escritor Edival Lourenço foi omisso, incompetente. Houve até censura ao cantor e compositor Itamar Correia e a redução dos recursos do Fundo de Apoio à Arte e Cultura. Apesar disso, 2019 foi rico em espetáculos e shows de qualidade artística. Citar nomes seria injustiça. Não vislumbro coisas boas para 2020. Mas estou confiante no sucesso de nossa empreitada no campo jurídico para fazer valer nossos direitos”. 
Norval Berbari, ator, produtor cultural  e vice-presidente da Federação de Teatro do Estado de Goiás
“O que houve de melhor em 2019 foi a recriação da Secretaria de Estado da Cultura, o pagamento do Fundo de Apoio à Arte e Cultura (FAC), no valor de R$ 30,7 milhões que permitirá a execução de quase 400 projetos no Estado, e ainda  mobilização da classe artística que resultou no pagamento da FAC. Lamentável foram a escolha de um secretário sem força política para encaminhar e resolver as questões da pasta. A paralisação do funcionamento da Lei Goyazes de Incentivo à Cultura, o não lançamento da FAC 2019 e a tentativa do Governo e extingui-lo, a censura ao cantor e compositor Itamar Correia, na cidade de Goiás e a não realização dos festivais de Cinema Ambiental (Fica), Canto da Primavera e Mostra de Teatro de Porangatu foram outras atitudes negativas este ano”. 

Fernanda Fernandes, produtora cultural 
“Eu diria que 2019 foi um ano muito dolorido para a cultura. Um rolo compressor, pois houve um verdadeiro desmonte das atividades culturais. Teve censura, falta de apoio aos projetos, corte de verbas às leis já conquistadas, atrasos nos pagamentos. A recriação da Secretaria de Estado da Cultura foi um ponto positivo, mas ainda estamos inseguros em relação ao seu projeto de ação. Outro ponto importante é a permanência do Fundo de Apoio à Arte e Cultura e a manutenção do curso de Produção Cênica do Instituto de Educação Tecnológica Basileu França”.         

ANÁLISE

                             UM ANO BOM, APESAR DE TUDO 

Natureza Morta,Grupo Ateliê do Gesto

Mesmo com reclamações pipocando de todos os lados e as dificuldades que a classe artística tem enfrentando, 2019 foi um ano de muitas produções culturais em Goiânia, e surpresas boas no âmbito da dança. Foi impossível acompanhar as peças em cartaz, os festivais e as estreias. 
Dois festivais, Aldeia: II Festival de Todas as Artes (antigo Aldeia Diabo Velho),  promovido pelo Sesc Goiás, e Festival de Artes Cênicas Goiânia em Cena, da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia, movimentaram a capital com uma diversificada programação de música, dança, teatro, circo e oficinas diversas, ocupando teatros, praças, parques, escolas, com entrada gratuita ou ingressos a preços acessíveis. 
Aguardado com expectativa, os dois festivais oferecem oportunidades aos grupos locais e também traz artistas convidados que dificilmente chegariam ao circuito artístico da cidade. Dois deles vale a pena destacar. Lúdico, sensível, interpretado com muita competência pela atriz Cássia Kiss, Meu Quintal é Maior Que Mundo, baseado nos versos do poeta pantaneiro Manoel de Barros (MS), emocionou a plateia.  Simples, direto, carregado de dramaticidade, Traga-me a Cabeça de Lima Barreto, do ator baiano radicado no Rio de Janeiro, Hilton Cobra (Cia. Dos Comuns), livremente inspirado na vida e obra do escritor Lima Barreto, foi outro momento enriquecedor proporcionado pelo teatro. Quem nada sabia sobre o autor de Policarpo Quaresma e Clara dos Anjos saiu interessado em conhecê-lo melhor.  
Exceto pela abertura do parlapatão Hugo Possolo, com o solo Prego na Testa (de muito mal gosto), o Festival de Artes Cênicas Goiânia em Cena, ocupou diferentes espaços com uma  programação interessante, dirigida a todo tipo de público. E o melhor, sem pagar nada. Entre os destaques, A Invenção do Nordeste, do Grupo Carmin do Rio Grande do Norte. Divertido, recheado  de referências históricos, projeções em vídeo, o espetáculo diverte, mas também ensina e esclarece os xenófobos sobre os valores da cultura e do povo nordestino. O espetáculo nasceu a partir da pesquisa feita pela diretora Quitéria Kelly, que estava incomodada com o preconceito contra o Nordeste, sobretudo a partir de 2018. Com muita competência, Quitéria produziu um espetáculo que desconstrói a imagem e preconceituosa e estereotipada do Nordeste, que envolve a plateia do começo ao fim.  


Ópera
O elogiado  conto A Décima Quarta Estação, publicado no livro Avarmas do escritor Miguel Jorge, não conseguiu o mesmo êxito no palco.  Primeira ópera genuinamente goiana (libreto, composição, elenco, direção), não empolgou apesar de todo o esforço da direção, do elenco, do coro e da orquestra. Exibida em duas sessões, a ópera saiu de cena e não deixou boa lembrança. Ocorrida na cidade de Catalão no começo do século 20, a história narra a prisão arbitrária, a flagelação e a morte de um homem injustamente acusado de um crime que não cometeu.  Infelizmente, os cantores não conseguiram expressar toda a dramaticidade exigida, o cenário e o figurino não agradaram e a ópera desandou. Composta por Estércio Marquez, a música executada pelo Coro e Orquestra Sinfônicos de Goiânia, sob a regência do maestro Eliseu Ferreira, não causou o impacto desejado. 
Os espetáculos nacionais ofuscaram as produções locais na programação dos festivais.  Inspirado na cultura sertaneja, Fundo do Poço, do Grupo Arte & Fatos, estreou no Festival de Artes Cênicas Goiânia em Cena. A dramaturgia fala de assédio, perda, solidão e  pobreza. Tema recorrente na pauta do grupo, o espetáculo remete a produções anteriores do diretor e autor Danilo Alencar, com clima de dejà vie.    


Ano da dança
A dança dominou o cenário artístico de 2019 na capital. Com garra e muita disposição de dar continuidade ao seu trabalho, a Quasar Cia. De Dança estreou Estou Sem Silêncio, de Henrique Rodovalho, no Centro Cultural da UFG, iniciando uma temporada que está rendendo frutos. Ainda sem um local para chamar de seu e sem elenco  fixo de bailarinos, o grupo ocupou a pauta de teatros importantes como o Alfa, em São Paulo. A coreografia discute o empoderamento feminino de uma forma muito abrangente e muita intimidade. Simples, delicado e envolvente. Assim se pode definir a criação de Henrique Rodovalho para marcar os 31 anos da companhia, que retorna ao palco com força total. 
A Giro8 Cia. De Dança, da coreógrafa Joisy Amorim está ocupando seu merecido lugar na dança nacional e até internacional, fazendo apresentações e conquistando prêmios. Teia, o mais recente espetáculo, é uma grata surpresa e consolida sua performance contemporânea. Nesta criação, Joisy trabalhou ao lado do dramaturgo espanhol Antonio Gómez Casas e do músico Cleyber Ribeiro. A obra procura refletir sobre as intrincadas relações humanas, numa  teia de sentimentos : conflitos, aflições, sinceridade, amor e afetos. Completando oito anos de existência, a Giro8 promete surpresas, caso vença as dificuldades que as companhias de dança enfrentam para se manter. 
Não poderia deixar de citar dois nomes importantes para a dança de Goiás. Ex-bailarinos da Quasar Cia. De Dança, João Paulo Gross e Daniel Calvet  consolidam a marca do Ateliê do Gesto com muita competência. Ótimos bailarinos, também se revelam como coreógrafos criativos e sintonizados com a arte e a cultura. Inspirado em Grande Sertão: Veredas, a obra máxima de Guimarães Rosa, espetáculo O Crivo  abriu caminho para apresentações em várias cidades. Natureza Morta, a mais recente coreografia do duo, construída a partir da obra do artista plástico Farnese, é uma bela página da dança, que fortalece mais ainda a parceria e descortina novos horizontes aos talentosos bailarinos.  


 Foto: Divulgação
  
             

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

   

  OLHAR FEMININO


            

Ao completar 31 anos de atividades, a Quasar Cia. De Dança estreou no dia 18 de abril, o espetáculo inédito Estou Sem Silêncio no espaço que marcou o início de sua bem sucedida carreira: o antigo Galpão da UFG, no Setor Universitário, hoje transformado em Centro Cultural da UFG, apoiadora de primeira hora da companhia criada por Henrique Rodovalho e Vera Bicalho, em 1988. Até domingo, o grupo, que traz no elenco as bailarinas Gabriela Leite, Marcella Landeiro, Thaís Kuwae e Valeska Gonçalves, apresenta-se No Teatro João Caetano, em São Paulo, no evento Abril para a Dança. Nos dias 1º e 2 de maio, estará em Brasília, no Movimento Internacional de Dança. Novos horizontes se abrem com outras apresentações  que estão na agenda da companhia, inclusive em Goiânia, em junho.   

Com o mesmo entusiasmo que tem marcado suas três décadas de existência, a Quasar apresenta uma nova proposta de espetáculo: elenco reduzido e de fácil circulação, o que, segundo o coreógrafo Henrique Rodovalho se encaixa bem no momento que a companhia atravessa. Sem um espaço para chamar de seu, sem patrocinador e recursos escassos, o coreógrafo optou por um espetáculo simples, mas repleto de significado.  

 Atento as discussões relacionadas às questões de gênero, Henrique Rodovalho elaborou um espetáculo que tem a mulher como o centro das atenções. Quatro bailarinas expõem através do corpo sentimentos cotidianos do universo feminino. Mulheres sensuais, submissas e livres, alegres e tristes, que amam intensamente, sofrem, perdoam, vão do riso às lágrimas. Mas, que também, sutilmente, enviam alguns “recadinhos” para os homens. Quando tiram a blusa, como se estivessem em câmara lenta, perfeitamente sintonizadas, mostram que têm atitude, são e liberdade, independentes. São senhoras de si e do seu corpo, e capazes de romper com todos os padrões para ser felizes. 

Intimista, divertido e leve, a nova coreográfica de Rodovalho foi ampliada a partir de um quadro da coreografia Céu na Boca. O quadro, que também era dançado por bailarinas, apresentava alguns estereótipos do que seriam comportamentos da mulher. “Achei oportuna a discussão porque as questões de gênero, de empoderamento feminino, do combate à violência contra a mulher estão muito em evidência”, afirma o coreógrafo, completando que sua intenção é mostrar a força, a luta e  os desejos da mulher moderna. Com exceção do bolero de Ray Conniff, a música das cantoras Céu, Tulipa Ruiz e Grace Carvalho estão na trilha sonora do espetáculo.    

Desde 2017, a Quasar Cia. De Dança enfrenta dificuldades financeiras. A batalha tem sido árdua. O governo do Estado anterior havia sinalizado com novas possibilidades para o grupo, prometendo apoio e até uma nova sede onde o grupo pudesse desenvolver o seu trabalho. Sem esperar pelas promessas que ainda não se concretizaram, o grupo se mantém como pode, sem perder a esperança, e o mais importante, a qualidade do trabalho que a consagrou no Brasil e no exterior.   





  NAS TEIAS DA GIRO8




As relações humanas são tema recorrente das coreografias de Joisy Amorim para a Giro8 Cia. De Dança. Teia, seu mais recente trabalho, levado ao palco do Teatro Goiânia nos dias 13 e 14 de julho, em estreia nacional, não foi diferente. Agitado como as danças de rua, o espetáculo conta com o patrocínio da Lei Goyazes de Incentivo à Cultura para produção, estreia e circulação. Em breve, deverá ser apresentado em João Pessoa e Recife ainda este ano. A estreia internacional será na Argentina.    
Quinta coreografia do grupo goiano de projeção internacional, explora com muita competência as teias que se formam no nosso cotidiano ao longo da vida. Teias de relacionamentos, de amores e desamores, de desentendimentos, de afetos, alegrias e tristezas. As teias vão surgindo à medida que o tempo passa sem nos darmos conta. Mesmo discutindo um assunto tão complexo, o espetáculo é vibrante do início ao fim.
Como aranhas que tecem suas teias em silêncio, a coreografia vai tecendo relacionamentos intrincados com muita intensidade e vibração “como deve ser um espetáculo de dança” para usar as palavras de um bailarino. É como a vida pulsando agitada, desconectada nos movimentos intensos dos bailarinos. Muito bem sintonizado, coeso e ágil, o grupo faz a plateia se agitar, um quase convite para que suba ao palco de dance com eles.   
A dramaturgia do espanhol Antonio Gomez Cásas, em sua segunda parceria com Joisy Amorim, enriquece o espetáculo, fazendo  um elo de ligação entre as várias teias de sentimentos. Joisy investe nos movimentos das danças urbanas para dar mais agilidade à cena.  Mago dos vídeos, Paulinho Pessoa destaca-se pela ótima cenografia e Cleyber Ribeiro pela originalidade da trilha sonora. Com muito acerto, Joisy cerca-se de profissionais experientes para compor o elenco de parceiros, elevando cada vez mais o nível de suas criações. Parceiros de primeira hora, a ex-bailarina Erica Bearlz comanda os ensaios e Vanderlei Roncato, a criação cênica. Ex-integrante da Quasar Cia. De Dança, João Paulo Gross, assumiu as aulas de dança contemporânea dos bailarinos Emanu Rodrigues, Inaê Silva, Isabel Mamede, Felipe Silva, Jean Valber e Murilo Heindrich. 


Novos horizontes vão se abrindo para a companhia, que fez temporadas bem sucedidas Espanha e em Portugal.   À frente da Giro8 há quase oito anos, Joisy Amorim não tem se deixado abater pelas dificuldades na captação de recursos e patrocínios. Tem procurado fazer importantes parcerias, como esta com Antonio Gomez Cásas, para elevar a qualidade dos espetáculos, formar bailarinos profissionais e fazer apresentações no Brasil e no exterior. 
Criada em 2011 por Maria Inês de Castro, ex-diretora do Energia Grupo de Dança e Joisy Amorim, a Giro8 Cia. De Dança estreou com o espetáculo Retrato em Branco e Preto, em novembro daquele ano, revelando o que vinha dali em diante. Queriam fugir do óbvio e conquistar novas oportunidades para a dança contemporânea.   As relações humanas, as angústias da vida urbana, individualista, agitada, dominada pelos encontros e desencontros foi a primeira abordagem coreográfica do grupo, que o explorou ainda em ((Entre)) O Eu e o Mundo, Antes Que..., Sr. Will e agora em Teia. 
Com a saída de Maria Inês, em 2013, Joisy assumiu toda a responsabilidade da companhia, como diretora e coreógrafa. O trabalho exigente de criação levou-a a delegar a direção geral do grupo a Elaine Cruz, dois anos depois, para dedicar mais tempo à elaboração de coreografias e à direção artística. 
Desde seu primeiro espetáculo, a Giro8 Cia tem se destacado no cenário artístico conquistando premiações importantes como a Medalha do Mérito Cultural, concedida pelo Conselho Estadual de Cultura. Recebeu também homenagem da Câmara Municipal de Goiânia pelos relevantes serviços prestados à cultura.  Coreógrafa e diretora artística, Joisy Amorim foi agraciada com a comenda Ordem do Mérito Anhanguera, concedida pelo Governo do Estado de Goiás.
Patrocinado pela Lei Goyazes de Incentivo à Cultura para produção, estreia e circulação, Teia deverá ser apresentado em João Pessoa e Recife ainda este ano. A estreia internacional será na Argentina em data a ser definida.  
                     


                       MARCOS FAYAD, UMA VIDA DEDICADA À ARTE


 Ator, diretor, produtor cultura e dramaturgo, Marcos Fayad morreu no dia 17 de abril, em Goiânia



  
“Combati o bom combate. Encerrei a luta, e guardei a fé” a frase do apóstolo Paulo identificava o e-mail do grande diretor de teatro, autor, ator, produtor cultural,  psicólogo/psicanalista e artista plástico Marcos Fayad, que morreu hoje de manhã, no Hospital Santa Helena.  Lutou como um bravo contra um câncer que aos poucos foi minando suas forças, mas não afetava a imaginação sempre em ebulição.  Enquanto se tratava em Goiânia e São Paulo, devorava  livros, de preferência autores  latinos, escrevia, criava personagens e espetáculos imaginários. Amava a psiquiatra Nise da Silveira com quem  estagiou  na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, ao concluir o curso de Psicologia, e o poeta norte-americano Walt Witman. Guimarães Rosa era outra de suas paixões.  
Marcos Fayad era intenso. Mergulhava de cabeça em tudo o que fazia. Optou pelo teatro ainda muito jovem. Trabalhou com grandes nomes do teatro brasileiro, integrou elencos de peças que marcaram época.  Natural de Catalão, foi para o Rio estudar Lá descobriu a verve teatral, que o traria de volta a Goiânia nos anos 1980, a convite do então secretário de Estado da Cultura Kleber Adorno. Inspirado no livro Martim Cererê, de Cassiano Ricardo, batizou o  Centro Cultural Martim Cererê, e  foi seu primeiro diretor.  
Não só na doença, combateu o “bom combate”  No teatro, travou duras batalhas. Fez sacrifícios e  driblou a falta de recursos e patrocínios para levar ao palco espetáculos inesquecíveis como Martim Cererê,  o belo poema que fala dos primórdios do Brasil e dos povos primitivos. A primeira versão da peça de 1988 percorreu diversas cidades e foi destaque na França. Uma segunda edição viria em 1998, em comemoração aos 10 anos da histórica montagem. Martim Cererê foi um marco em sua carreira e pavimentou o caminho para muitas outras.  
 Fayad escreveu, adaptou, e  produziu dezenas de peças e musicais. Puro Brasileiro é outro grande destaque. Ficou  20 anos em cartaz, com elencos diferentes, mas sempre um sucesso por onde passava. O musical, que resgata as raízes da música brasileira, fez turnê de Norte a Sul do País, emocionando milhares de espetadores. Seus mais recentes trabalhos foram Cara de Bronze, baseado na obra de João Guimarães Rosa e Cerimônia para Personagens, do russo Daniil Kharnus, de 2017, uma experimentação moderna e diferente de tudo aquilo no qual vinha apostando. Terminou aí seu trabalho na direção. 
 A instigante obra do dramaturgo francês Antonin Artaud levou ao palco como ator. Fayad a encenou com requinte em curta temporada na Capelinha São José, construída dentro do Clube do SESI Antônio Ferreira Pacheco, gentilmente cedida  pela diretor do Teatro SESI, Teco Faleiro. Apresentou-se também no Rio e em São Paulo. Com ela, despediu-se de Artaud, por quem tinha enorme admiração, assim como o filósofo Nietcheze, sua leitura de cabeceira.   
Marcos Fayad gostava de reunir amigos e atores para leituras dramáticas em jantares informais de comida árabe, esmeradamente preparada,  e vinho tinto em sua enorme casa rodeada de jardim.  Discos que trazia de suas viagens tocavam ao fundo. Apesar da origem árabe, era um apaixonado pela terra Goiá, a fazenda em Catalão, o interior sertanejo. Com rara sensibilidade, levou para o palco a beleza do cerrado e do homem sertanejo  em peças como Voar, baseada na obra do goiano Gil Perini, e Cerrado Celular, uma ousadia à época da encenação. Marcos apresentou a peça  debaixo de uma enorme tenda no estacionamento do Shopping Flamboyant. Recriou o ambiente de uma fazenda com cavalos, vacas e peões para falar sobre a chegada da modernidade do meio rural. Cabaré Goiano movimentou o Teatro Pyguá do Martim Cererê durante cinco anos, com muita música, cenas curtas debochadas e divertidas.  O sertão de Guimarães Rosa ganhou uma produção à altura em Cara de Bronze.  
Exigente, carismático, genioso, vaidoso. Mas, acima de tudo um  profissional de primeira linha. Formou uma geração inteira de atores que hoje ocupam os palcos.  Gostava de trabalhar ouvindo música, o canto dos pássaros, o latido dos  cachorros, seus companheiros inseparáveis, fazer bonzai, outra paixão. As paredes forradas de quadros, as estantes repletas de livros. Seu mundo era assim: com muita arte em torno de si. “Arte de qualidade!”, diria com muita ênfase, pronunciando  bem as palavras. Viveu de arte, e só de arte. “Não tenho  emprego público nem privado. Vivo de arte. Quero fazer o melhor”, dizia. 
Marcos Fayad deixou uma obra memorável, e seu nome escrito na história do teatro brasileiro. 
  Texto publicado no jornal O Popular