MARCOS FAYAD, UMA VIDA DEDICADA À ARTE
Ator, diretor, produtor cultura e dramaturgo, Marcos Fayad morreu no dia 17 de abril, em Goiânia
“Combati o bom combate. Encerrei a luta, e guardei a fé” a frase
do apóstolo Paulo identificava o e-mail do grande diretor de teatro, autor,
ator, produtor cultural, psicólogo/psicanalista e artista plástico Marcos
Fayad, que morreu hoje de manhã, no Hospital Santa Helena. Lutou como um bravo contra um câncer que aos
poucos foi minando suas forças, mas não afetava a imaginação sempre em
ebulição. Enquanto se tratava em Goiânia e São Paulo, devorava livros, de preferência autores latinos, escrevia, criava personagens e
espetáculos imaginários. Amava a psiquiatra Nise da Silveira com quem estagiou
na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, ao concluir o curso de
Psicologia, e o poeta norte-americano Walt Witman. Guimarães Rosa era outra de
suas paixões.
Marcos Fayad era intenso. Mergulhava de cabeça em tudo o que
fazia. Optou pelo teatro ainda muito jovem. Trabalhou com grandes nomes do
teatro brasileiro, integrou elencos de peças que marcaram época. Natural
de Catalão, foi para o Rio estudar Lá descobriu a verve teatral, que o traria
de volta a Goiânia nos anos 1980, a convite do então secretário de Estado da
Cultura Kleber Adorno. Inspirado no livro Martim Cererê, de Cassiano Ricardo,
batizou o Centro Cultural Martim Cererê, e foi seu primeiro diretor.
Não só na doença, combateu o “bom combate” No teatro, travou
duras batalhas. Fez sacrifícios e driblou a falta de recursos e
patrocínios para levar ao palco espetáculos inesquecíveis como Martim
Cererê, o belo poema que fala dos primórdios do Brasil e dos povos
primitivos. A primeira versão da peça de 1988 percorreu diversas cidades e foi
destaque na França. Uma segunda edição viria em 1998, em comemoração aos 10
anos da histórica montagem. Martim Cererê foi um marco em sua carreira e
pavimentou o caminho para muitas outras.
Fayad escreveu, adaptou, e produziu dezenas de peças e
musicais. Puro Brasileiro é outro grande destaque. Ficou 20 anos em
cartaz, com elencos diferentes, mas sempre um sucesso por onde passava. O
musical, que resgata as raízes da música brasileira, fez turnê de Norte a Sul
do País, emocionando milhares de espetadores. Seus mais recentes trabalhos
foram Cara de Bronze, baseado na obra de João Guimarães Rosa e Cerimônia para
Personagens, do russo Daniil Kharnus, de 2017, uma experimentação moderna e
diferente de tudo aquilo no qual vinha apostando. Terminou aí seu trabalho na
direção.
A instigante obra do dramaturgo francês Antonin Artaud levou
ao palco como ator. Fayad a encenou com requinte em curta temporada na
Capelinha São José, construída dentro do Clube do SESI Antônio Ferreira
Pacheco, gentilmente cedida pela diretor do Teatro SESI, Teco Faleiro.
Apresentou-se também no Rio e em São Paulo. Com ela, despediu-se de Artaud, por
quem tinha enorme admiração, assim como o filósofo Nietcheze, sua leitura de
cabeceira.
Marcos Fayad gostava de reunir amigos e atores para leituras
dramáticas em jantares informais de comida árabe, esmeradamente
preparada, e vinho tinto em sua enorme casa rodeada de jardim. Discos que trazia de suas viagens tocavam ao
fundo. Apesar da origem árabe, era um apaixonado pela terra Goiá, a fazenda em
Catalão, o interior sertanejo. Com rara sensibilidade, levou para o palco a
beleza do cerrado e do homem sertanejo em peças como Voar, baseada na
obra do goiano Gil Perini, e Cerrado Celular, uma ousadia à época da encenação.
Marcos apresentou a peça debaixo de uma
enorme tenda no estacionamento do Shopping Flamboyant. Recriou o ambiente de
uma fazenda com cavalos, vacas e peões para falar sobre a chegada da
modernidade do meio rural. Cabaré Goiano movimentou o Teatro Pyguá do Martim
Cererê durante cinco anos, com muita música, cenas curtas debochadas e
divertidas. O sertão de Guimarães Rosa ganhou uma produção à altura em
Cara de Bronze.
Exigente, carismático, genioso, vaidoso. Mas, acima de tudo
um profissional de primeira linha. Formou uma geração inteira de atores
que hoje ocupam os palcos. Gostava de trabalhar ouvindo música, o canto
dos pássaros, o latido dos cachorros,
seus companheiros inseparáveis, fazer bonzai, outra paixão. As paredes forradas
de quadros, as estantes repletas de livros. Seu mundo era assim: com muita arte
em torno de si. “Arte de qualidade!”, diria com muita ênfase,
pronunciando bem as palavras. Viveu de arte, e só de arte. “Não
tenho emprego público nem privado. Vivo
de arte. Quero fazer o melhor”, dizia.
Marcos Fayad deixou uma obra memorável, e seu nome escrito na
história do teatro brasileiro.
Texto publicado no jornal O Popular
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