quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

ANÁLISE

                             UM ANO BOM, APESAR DE TUDO 

Natureza Morta,Grupo Ateliê do Gesto

Mesmo com reclamações pipocando de todos os lados e as dificuldades que a classe artística tem enfrentando, 2019 foi um ano de muitas produções culturais em Goiânia, e surpresas boas no âmbito da dança. Foi impossível acompanhar as peças em cartaz, os festivais e as estreias. 
Dois festivais, Aldeia: II Festival de Todas as Artes (antigo Aldeia Diabo Velho),  promovido pelo Sesc Goiás, e Festival de Artes Cênicas Goiânia em Cena, da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia, movimentaram a capital com uma diversificada programação de música, dança, teatro, circo e oficinas diversas, ocupando teatros, praças, parques, escolas, com entrada gratuita ou ingressos a preços acessíveis. 
Aguardado com expectativa, os dois festivais oferecem oportunidades aos grupos locais e também traz artistas convidados que dificilmente chegariam ao circuito artístico da cidade. Dois deles vale a pena destacar. Lúdico, sensível, interpretado com muita competência pela atriz Cássia Kiss, Meu Quintal é Maior Que Mundo, baseado nos versos do poeta pantaneiro Manoel de Barros (MS), emocionou a plateia.  Simples, direto, carregado de dramaticidade, Traga-me a Cabeça de Lima Barreto, do ator baiano radicado no Rio de Janeiro, Hilton Cobra (Cia. Dos Comuns), livremente inspirado na vida e obra do escritor Lima Barreto, foi outro momento enriquecedor proporcionado pelo teatro. Quem nada sabia sobre o autor de Policarpo Quaresma e Clara dos Anjos saiu interessado em conhecê-lo melhor.  
Exceto pela abertura do parlapatão Hugo Possolo, com o solo Prego na Testa (de muito mal gosto), o Festival de Artes Cênicas Goiânia em Cena, ocupou diferentes espaços com uma  programação interessante, dirigida a todo tipo de público. E o melhor, sem pagar nada. Entre os destaques, A Invenção do Nordeste, do Grupo Carmin do Rio Grande do Norte. Divertido, recheado  de referências históricos, projeções em vídeo, o espetáculo diverte, mas também ensina e esclarece os xenófobos sobre os valores da cultura e do povo nordestino. O espetáculo nasceu a partir da pesquisa feita pela diretora Quitéria Kelly, que estava incomodada com o preconceito contra o Nordeste, sobretudo a partir de 2018. Com muita competência, Quitéria produziu um espetáculo que desconstrói a imagem e preconceituosa e estereotipada do Nordeste, que envolve a plateia do começo ao fim.  


Ópera
O elogiado  conto A Décima Quarta Estação, publicado no livro Avarmas do escritor Miguel Jorge, não conseguiu o mesmo êxito no palco.  Primeira ópera genuinamente goiana (libreto, composição, elenco, direção), não empolgou apesar de todo o esforço da direção, do elenco, do coro e da orquestra. Exibida em duas sessões, a ópera saiu de cena e não deixou boa lembrança. Ocorrida na cidade de Catalão no começo do século 20, a história narra a prisão arbitrária, a flagelação e a morte de um homem injustamente acusado de um crime que não cometeu.  Infelizmente, os cantores não conseguiram expressar toda a dramaticidade exigida, o cenário e o figurino não agradaram e a ópera desandou. Composta por Estércio Marquez, a música executada pelo Coro e Orquestra Sinfônicos de Goiânia, sob a regência do maestro Eliseu Ferreira, não causou o impacto desejado. 
Os espetáculos nacionais ofuscaram as produções locais na programação dos festivais.  Inspirado na cultura sertaneja, Fundo do Poço, do Grupo Arte & Fatos, estreou no Festival de Artes Cênicas Goiânia em Cena. A dramaturgia fala de assédio, perda, solidão e  pobreza. Tema recorrente na pauta do grupo, o espetáculo remete a produções anteriores do diretor e autor Danilo Alencar, com clima de dejà vie.    


Ano da dança
A dança dominou o cenário artístico de 2019 na capital. Com garra e muita disposição de dar continuidade ao seu trabalho, a Quasar Cia. De Dança estreou Estou Sem Silêncio, de Henrique Rodovalho, no Centro Cultural da UFG, iniciando uma temporada que está rendendo frutos. Ainda sem um local para chamar de seu e sem elenco  fixo de bailarinos, o grupo ocupou a pauta de teatros importantes como o Alfa, em São Paulo. A coreografia discute o empoderamento feminino de uma forma muito abrangente e muita intimidade. Simples, delicado e envolvente. Assim se pode definir a criação de Henrique Rodovalho para marcar os 31 anos da companhia, que retorna ao palco com força total. 
A Giro8 Cia. De Dança, da coreógrafa Joisy Amorim está ocupando seu merecido lugar na dança nacional e até internacional, fazendo apresentações e conquistando prêmios. Teia, o mais recente espetáculo, é uma grata surpresa e consolida sua performance contemporânea. Nesta criação, Joisy trabalhou ao lado do dramaturgo espanhol Antonio Gómez Casas e do músico Cleyber Ribeiro. A obra procura refletir sobre as intrincadas relações humanas, numa  teia de sentimentos : conflitos, aflições, sinceridade, amor e afetos. Completando oito anos de existência, a Giro8 promete surpresas, caso vença as dificuldades que as companhias de dança enfrentam para se manter. 
Não poderia deixar de citar dois nomes importantes para a dança de Goiás. Ex-bailarinos da Quasar Cia. De Dança, João Paulo Gross e Daniel Calvet  consolidam a marca do Ateliê do Gesto com muita competência. Ótimos bailarinos, também se revelam como coreógrafos criativos e sintonizados com a arte e a cultura. Inspirado em Grande Sertão: Veredas, a obra máxima de Guimarães Rosa, espetáculo O Crivo  abriu caminho para apresentações em várias cidades. Natureza Morta, a mais recente coreografia do duo, construída a partir da obra do artista plástico Farnese, é uma bela página da dança, que fortalece mais ainda a parceria e descortina novos horizontes aos talentosos bailarinos.  


 Foto: Divulgação
  
             

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