CIA.SALA 3
“O TEATRO NOS FAZ PENSAR”
A Casa de Bernarda Alba |
“Não saberia fazer outra coisa a não ser teatro”, diz
o diretor da Cia. Sala 3, Altair de
Souza, que para comemorar os 15 anos de sua companhia organizou uma caprichada efeméride
no Espaço Trip, regada a música e
petiscos em ambiente decorado com peças e adereços de seus espetáculos. Atores,
diretores, produtores, figurinistas, cenógrafos e outros profissionais do
teatro lotaram a casa noturna para brindar a data com o diretor de uma das mais
conceituadas companhias de Goiânia, com extensa lista de espetáculos no
currículo.
Altair de
Souza equilibra seu tempo entre as aulas de teatro no Projeto Ciranda da Arte
da Secretaria de Estado da Educação e sua própria companhia. Ainda encontra
tempo para aceitar convites de outros grupos para dirigir. Quando pode não abre mão de circular no Rio
e São Paulo para ver peças, adquirir
novos adereços e figurinos para suas
peças.
A paixão pelo teatro clássico levou-o à montagem das
tragédias rurais do espanhol Federico Garcia Lorca. Iniciada com Yerma, a
trilogia será completada no fim do ano com Bodas de Sangue, considerada
obra-prima do autor. Em 2018, pretende apresentar os três espetáculos durante uma semana para que o público tenha a
oportunidade de assisti-los de uma só vez. Altair não tem do que reclamar, sua
companhia tem ocupado os mais importantes espaços culturais de Goiânia, com
espetáculos de qualidade destinados a adultos e crianças. Os mais recentes,
Canção Desnaturada, Yerma e A Casa de Bernarda Alba fizeram temporadas e
receberam comentários muito favoráveis.
A seleção dos textos, o capricho das montagens e a
produção muito bem cuidada são marcas do trabalho do diretor, de 34 anos, que
investe o pode nas suas criações: tempo, dinheiro, dedicação. A companhia
cresce cada vez mais. Sempre chega um ator pedindo uma oportunidade e vai
ficando. Atualmente, são 28 atores. Altair não tem trabalho para todos. Mas
assim que surge uma chance agrega-os no elenco, na produção, na técnica, onde
der.
Altair ganhou seu primeiro prêmio como diretor aos
18 anos, quando ainda estudava teatro no Rio de Janeiro. A Solidão dos Outros, uma adaptação do conto
de Vera Brant, conquistou vários troféus de melhor espetáculo, melhor diretor,
ator, atriz e técnica, no Festival de Teatro da Feteg, realizado no Martim
Cererê, quando o espaço era um movimentado centro cultural. Foi uma tremenda
surpresa para o garoto praticamente desconhecido no meio. O prêmio foi um assustou, porque, segundo ele,
havia diretores muito mais experientes no páreo, como Danilo Alencar e Samuel Baldani. “Na verdade, eu só queria
fazer o meu trabalho. Não pensei em ganhar. Já estava no Rio quando recebi a
notícia do prêmio. Minha mãe recebeu os troféus para mim”, lembra.
O prêmio deu
ânimo ao jovem diretor, que sonhava em voltar para Goiânia assim que terminasse
o curso de Artes Cênicas e investir no seu próprio grupo de teatro. “Nunca
pensei em ficar no Rio. Queria trazer para Goiânia o que aprendi”, confessa. No
Rio, Altair atuou como ator no grupo Gine Insano, de Araruama, e adquiriu mais
experiência com professores importantes. Não chegou a ser aluno da professora e
crítica de teatro Barbara Heliodora, do
jornal O Globo, muito temida pelos artistas. “Quando cheguei na UniRio, ela já
havia se aposentado. Uma pena. Convivi
com muita gente interessante que acrescentaram muito ao meu trabalho,
afirma.
Sala
3
Nos anos 1990 quando surgiu, o grupo era formado por
Ana Paula Carvalho, Bruno Peixoto, Franco Pimentel e outros atores em início de
carreira, o que seria o embrião da companhia que ainda não tinha um nome
definitivo. Tempos depois, o grupo seria batizado de Cia. Sala 3 pelo fato de
ensaiar sempre na Sala 3 do extinto CETE
– Centro de Tecnologia do Espetáculo da Secretaria Municipal de Cultura. Preferido,
o local era espaçoso e oferecia alternativas para a montagem de espetáculos com
grande elenco.
Hoje, explica Altair, Sala 3 significa as três vertentes
do seu teatro : espetáculos
infantis, clássicos e cultura popular. “Essas três linguagens
formam a identidade da companhia”, assegura.
Depois que a SeCult acabou com o CETE, a
companhia ficou sem local para ensaiar. “Estamos em busca de um espaço para
nossos encontros e ensaios. Meu sonho é comemorar os 20 anos da companhia em
sede própria”, revela o diretor. Por enquanto, o grupo vai se virando como
pode, ensaiando em salas emprestadas. Os cenários, figurinos e objetos cênicos
são guardados em depósito alugado. “Como
somos muitos atores, e vamos abarcando cada dia mais, não queria perder essa
unidade de grupo. Quero que a nossa sede seja um centro cultural onde poderemos
realizadas várias coisas e receber o público”, almeja.
Não são apenas os jovens atores que procuram o
diretor para compor seu elenco. Atores veteranos também querem trabalhar com
ele. Recentemente, a atriz Adriana Veloso ofereceu-se para integrar o grupo.
Bruno Peixoto já está escalado para sua próxima peça. No dia 20 de dezembro, a
Sala 3 vai estrear a tragédia rural
Bodas de Sangue, encerrando a trilogia de Garcia Lorca. O infantil O Gato
Malhado e a Andorinha Sinhá, de Jorge Amado, estará no palco do Teatro Goiânia
em fevereiro de 2018 e fará uma longa temporada, incluindo projeto escola.
Repertório
Diversificar o repertório sempre foi uma preocupação
de Altair de Souza. Sua pretensão era sair da zona de conforto seguindo a
tendência dos grupos do Rio que trabalham com todo tipo de espetáculo, passando
infantil ao adulto com a mesma qualidade. “Fazer o diferente é mais estimulante.
É o diferencial”, garante. Preocupado
com a criação inédita, ele tem estimulado os atores a escreverem textos e
adaptações, participarem de todas as etapas da produção.
Nas comemorações dos 15 anos da Cia. Sala 5, todos
os atores deverão participar de workshops ministrados por diretores convidados,
abrindo o leque de conhecimento e aperfeiçoamento. “Os atores precisam sair do
lugar comum. Estamos numa fase que é preciso atuar em todas as frentes”, assegura.
Formado em Letras, o ator Andreane Lima assina o espetáculo Maurice, inspirado na obra do inglê
E.M.Foster, que narra a autodescoberta sexual de um jovem aristocrata. Baseado nos
poemas de Cora Coralina, o infantil Cora Coralinha leva a assinatura da jovem
atriz Aline Isabel. “Precisamos de novos dramaturgos”, apregoa Altair.
Altair está
propondo a realização do seminário com ciclo de discussão sobre Federico Garcia
Lorca, autor de três clássicos do teatro universal. “É importante o pessoal
conhecer a obra, entender o universo artístico do autor, a sua poesia, sua
música. Lorca tem uma importância muito grande na literatura. Conviveu com
grandes nomes da cultura universal como Salvador Dalí, Luís Buñuel”,
explica.
Recursos
A Cia. Sala 3 sobrevive graças aos recursos das leis
de incentivo. Nada seria possível sem o benefício e a contribuição dos atores
que doam seu tempo para integrar o grupo. O que ganham é quase nada.
Praticamente todo elenco tem outras atividades profissionais e mora com a
família. Emprego no teatro não é fixo. Viver
de cachê é impossível.
Altair é professor de teatro do Projeto Ciranda da
Arte da Secretaria de Estado da Educação e Cultura e atua como diretor
convidado de outros grupos. “Nossa luta é diária. Precisamos de muita boa
vontade para desistir. Trabalhamos muito mais por amor do que por vantagem
financeira”, assegura. No Ciranda da Arte, ele dirige a Trupe dos Cirandeiros e
o Grupo Experimental de Teatro. O coro também está sob sua responsabilidade. O
tempo que sobra, investe na companhia.
Além das dificuldades de apoio e patrocínio, Altair
de Souza lamenta as curtíssimas temporadas teatrais em Goiânia. Os espetáculos
não ficam mais do que três dias. Depois disso,
praticamente morre. “Não há permanência das peças como nos cinemas.
Goiânia possui bons espaços, bem localizados e de alto nível. Infelizmente, não
há uma aposta nas produções locais por mais de um fim de semana. Às vezes as
pessoas gostam do espetáculo, indicam aos amigos, mas na semana seguinte ele
não estará mais em cartaz”, desabafa.
Outro problema apontado pelo diretor refere-se à
falta de público. “Quando comecei a fazer teatro, as pessoas iam muito pouco ao
teatro. Hoje vai um pouco mais. Mas deixa a desejar. Não podemos contar com
bilheteria”, lamenta, acrescentando que tem observado a mesma situação se repete em outras cidades. Para
ele, muitos são os fatores que contribuem para a falta de plateia nos teatros,
entre eles a insegurança e a violência.
Apesar de tudo, Altair é otimista. Acha que o futuro
do teatro é promissor. “No mundo que vivemos com os excessos tecnológicos, chegará
um momento em que será preciso investir mais no ser humano, que nos faça
transgredir. O teatro nos faz pensar, e nisso ele vai investir um pouco mais.
Acredito que o pessoal vai redescobrir a
força do teatro. Estamos formando plateias. Vejo o encantamento das crianças
com o universo teatral. Elas são o futuro”.
DIRETOR
Altair de Sousa |
Diretor da Cia. Sala 3, Altair de Souza começou a
fazer teatro ainda menino no Colégio Marista, onde fez o ensino fundamental.
Incentivado pelo professor de Literatura e diretor do Colégio Dinâmico, Álvaro
Catelan, realizou o sonho de dirigir a primeira peça dentro da escola.
Tornou-se então professor de teatro com direito a salário. “Quando entrei no
ensino médio, já sabia que o teatro seria minha profissão”, garante. A direção e a produção de espetáculos dentro
da escola foi o primeiro passo na sua carreira consolidada com a formação em
Artes Cênicas na UniRio no Rio de Janeiro, considerado um dos melhores do País.
Na época, a UFG ainda não havia implantado o seu curso.
Altair de Souza revelou-se como diretor no Festival
da Federação de Teatro de Goiás, nos anos 1990. Tinha 18 anos. Mostrou que era capaz de fazer um trabalho de
alta qualidade com poucos recursos. Usando móveis e objetos do próprio Centro
Cultural Martim Cererê, jovens atores à
disposição e muita garra fez um trabalho que arrebatou a comissão
julgadora.
A criação da Cia. de Teatro Sala 3, há 15 anos, foi um marco importante na
carreira do diretor, que agrega atores que querem atuar sabendo que nem sempre
haverá cachê . Cioso de sua
responsabilidade, disciplinado e estudioso, Altair mantém-se sintonizado com o
meio artístico. Não abre mão de conhecer
as inovações da arte.
Ele não esconde a paixão pelo poeta e dramaturgo
Federico Garcia Lorca, fuzilado na Guerra Civil Espanhola por causa de suas
convicções políticas. Produziu as três mais importantes tragédias do consagrado
autor: Yerma, drama da jovem que dá nome
à peça que deseja desperadamente ter um filho, mas o marido se nega a tê-lo, e
A Casa de Bernarda Alba, tragédia da matriarca que impõe isolamento e luto fechado às cinco filhas após a morte
do marido. Agora finaliza a trilogia com Bodas de Sangue, narrativa de amor e
ódio que ocorre no dia da cerimônia de um casamento arranjado. A noiva
reencontra seu antigo amor e foge com ele antes de consumado o enlace,
desencadeando cenas de perseguição e morte. A peça deverá estrear dia 20 de
dezembro, no Teatro Goiânia.
A inquietude do artista o leva quase sempre a
enveredar por outros caminhos: investe
na comédia popular e no teatro infantil, com o objetivo de formar plateias para
o amanhã. Não se acanha em levar para o
palco suas produções rebuscadas, às vezes exageradas, sejam clássicas ou
populares. Provoca encantamento ao primeiro olhar com a profusão de cores e
adereços. A extravagância dos cenários, figurinos e iluminação caracterizam
suas montagens que se adaptam perfeitamente aos textos de Garcia Lorca. Há quem
diga que são barrocos, com toda razão. Altair é intenso, sensível, envolvente. O
desempenho dos atores nem sempre está à altura do texto. Mas, não chegam a
comprometer de todo as produções. É sempre bom ver os textos de Lorca no
palco.
Os atores da
Cia. Sala 3 estão sendo estimulados a criar a dramaturgia da companhia. Maurice
é uma recriação da obra do escritor inglês E.M.Foster feita por Andreane Lima.
Cora Coralinha, baseada nos poemas de Cora Coralina, é assinada pela atriz
Aline Isabel. Criar, recriar, produzir e dirigir são algumas atividades que o
diretor sugere ao seu grupo o tempo todo.
Entre os trabalhos de maior repercussão da companhia, além da obra de
Garcia Lorca, estão A Árvore dos Mamulengos, teatro popular do pernambucano
Vital Soares, Canção Desnaturada, baseada nas canções de Chico Buarque de
Holanda e A Casa das Mulheres Sem Homens, inspirada em A Casa de Bernarda
Alba.
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