quinta-feira, 29 de outubro de 2015





LÁGRIMAS DE UM GUARDA-CHUVA



                    Tristezas cotidianas e misérias humanas expostas no picadeiro 

Bruno Peixoto como o palhaço Sansão

           
Quando se entra no teatro, a primeira impressão que se tem é já ter visto tudo aquilo: cenário, figurino, música, atores mirando o vazio como se nada a sua volta existisse.  Enquanto os espectadores se acomodam na plateia, o elenco da peça Lágrimas de Um Guarda-Chuva, a mais recente produção do Grupo Arte & Fatos, da Coordenação de Arte e Cultura da PUC Goiás, vai dando mostras do que vem a seguir.

Uma carroça puxada por uma mulher maltrapilha carregando um velho palhaço insolente e desbocado chega a um lugarejo dizimado pela cólera.  Trata-se de  uma companhia de circo mambembe daquelas que antigamente circulavam  pelos sertões empoeirados das cidades do interior. Naquele lugar inóspito, só há solidão e silêncio. 

É difícil não fazer comparação com outras montagens do diretor Danilo Alencar: Balada de um Palhaço  e Os Avessos. Escrita pelo mineiro Eid Ribeiro, que ao assistir uma apresentação de  Balada de um Palhaço ofereceu o texto a Danilo Alencar, Lágrimas de um Guarda-Chuva aborda  temas das duas peças anteriores: exploração do mais fraco, solidão, desamparo, pobreza, ignorância.  Mesmo o tema não sendo  inédito , a história tem agilidade, prendendo a atenção do espectador do começo ao fim.  

Sansão explora a destrambelhada Angelina, que no circo faz o papel de  Zambê, a mulher macaco. A relação de Angelina com Sansão é ambígua. Não se sabe bem se é casada com o velho palhaço, se é sua criada, ou filha.  Pobres e desiludidos, eles tentam conseguir um pequeno público. Mas, de nada adianta o esforço. 

Três cegos andarilhos, o pai Sebastião e os filhos Serafim e Severino, chegam à cidade sujos e maltrapilhos.  O esperto Sansão quer tirar vantagem e arrancar dinheiro dos cegos. Então oferece Zambê para os filhos de Sebastião  conhecerem o amor. O  pai nega, e logo pega a estrada levando os filhos. A curiosidade de conhecer  mulher,  acaba em tragédia.  Sobrevivente da cólera, Carmelo surge no contexto da história para virar o jogo. Vestido de rei, ele oferece sua coroa a Sansão. Apesar do universo circense pressupor alegria e diversão, Lágrimas de um Palhaço expõe as tristezas cotidianas e as misérias humanas, os  absurdos da vida, os desvios de caráter, e a decadência física e moral. 
  
O diretor  Danilo Alencar utilizou recursos já empregados em montagens anteriores, o que não invalida o espetáculo.  Cenários, figurinos, iluminação e trilha sonora  se assemelham a peças anteriores.   Atores experientes,  Bruno Peixoto (Sansão),  Rita Alves (Angelina/Zambê), Leopoldo Rodrigues (Carmelo), Norval Berbari, André Larô e Caco Rodrigues (Cegos) formam um elenco coeso,  integrado, passando veracidade às interpretações.  

   Espetáculo bom de ver.        

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

DON FERNANDO




                         UM ÓTIMO ATOR EM ESPETÁCULO NADA ENVOLVENTE   


Ivan Lima
             

Ator de teatro com atuações marcantes ao lado de nomes consagrados da arte, desde Mazzaropi a Irene Ravache e Paulo Autran, Ivan Lima deixou os concorridos palcos do Rio e São Paulo para estabelecer-se em Goiânia há mais de 20 anos. 

 Em 2015, ele comemora 50 anos de carreira com o espetáculo Don Fernando, texto do paulista Ivan José, inspirado na obra do espanhol Fernando Arrabal, considerado um dos mais  representativos nomes do Teatro do Absurdo. 

Para dirigi-lo, convidou o ator e professor Rafael Ribeiro Blat, e o jovem ator Thiago Lopes, substituído posteriormente por Humberto Garcia. Cercou-se dos competentes  Rodrigo Assis e Paulinho Pessoa para desenhar a luz e o designer, além de Lino Calaça, para compor a trilha sonora. 

Grande conhecedor do fazer teatral, ator experiente, Ivan Lima é o centro das atenções da peça, destacando-se como Chester, o mais velho dos personagens. Desempenha bem o seu papel, sente-se à vontade nas cenas mais exigentes, inclusive nas de nudez. “Não tenho problema com nudez”, confessa o ator, que integrou o elenco do famoso musical Hair, atuando ao lado de Sonia Braga, Antonio Fagundes e outros. Thiago Lopes e Humberto Garcia apenas fizeram a lição de casa, para Ivan brilhar.  
       
 A história se passa dentro de um teatro decadente. O ator entra no palco pilotando uma potente motocicleta, usa roupas pretas de couro, toca piano de cauda, um luxo no palco do Teatro Goiânia. A iluminação contribui para dar ao ambiente um clima sombrio. Contudo, a dramaturgia surreal de Ivan José é confusa, de difícil entendimento. 

Chester e Tenniel são dois homens antagônicos. Iniciam um embate que pode terminar de forma trágica. Há momentos de delírio, culpa, traumas, a eterna luta entre o bem e o mal, a disputa do novo e do velho.   Enquanto o mais velho é sensível, romântico, sonhador, o jovem é arrogante, sedutor, atrevido.  O envolvimento de ambos revela sentimentos de afeto e beira à violência. “Interpretar Arrabal não é fácil. Sua obra é provocativa, exige muito do ator”, diz Ivan Lima. Exige muito também do espectador. 

De malas prontas para apresentar a peça no Festival de Asolo, na Itália, onde esteve em 2014, Ivan Lima substituiu Humberto Garcia pelo ator e diretor João Bosco Amaral, da Cia. de Teatro Oops!.. e reformulou a produção. Adaptou o texto ao estilo de Fernando Arrabal para deixá-lo mais palatável aos italianos, apostando também no bom desempenho de João Bosco. Ainda assim, o texto continua problemático.  Rafael Blat  inseguro na direção.  
     
Ivan Lima fez temporada de Don Fernando no Teatro Goiânia, e turnê em várias cidades do Estado. Cumpriu toda a trajetória exigida pelo Fundo Estadual de Cultura e Lei de Incentivo à Cultura, patrocinadores da produção. Depois da Itália, pretende dar continuidade à turnê.
    

Foto: Gilson P. Borges

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

GATO PRETO



          SUSPENSE DE ALLAN POE ADAPTADO PARA O TEATRO EM CLIMA DE HQ

 
Sol Silveira como Annabela
         
Autor de suspense consagrado, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe é cultuado no mundo inteiro. Sua narrativa envolvente, recheada de cenas fantásticas, mistério, e  às vezes macabras, faz sucesso no cinema e no teatro. 

O diretor João Bosco Amaral, da Cia. Teatral Oops!... é um entusiasta da obra do autor, da qual pinçou o conto Coração Delator,  que deu origem ao monólogo Olho,  primeira parte da Trilogia Poe – Parte 1, sob a direção do ator Ivan Lima. João Bosco mostrou que sabe lidar com o universo do sobrenatural ao interpretar o personagem Iago, um assassino que acaba confessando o crime cometido. 

Ele retorna à obra de Allan Poe com o espetáculo Gato Preto, estrelado pela atriz Sol Silveira, patrocinado pelo Prêmio Funarte Myriam Muniz 2014 e apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Segundo episódio da série, Gato Preto narra a história de Annabela, mulher complexa e atormentada, que entra em transe toda vez que se depara com o gato de estimação da família, um belo animal de pelos negros. Tomada por um sentimento de aversão, Annabela culpa o gato por todos os seus problemas. O desequilíbrio emocional da personagem cresce ao longo da peça até o seu desfecho final. O ódio ao animal vai tomando conta da mulher, o que a leva a cometer um desatino.  

 A adaptação cênica de João Bosco Amaral é dinâmica. É contada em ritmo de histórias em quadrinhos em preto e branco. Imagens projetadas reforçam o clima de mistério.   Cenário despojado, composto de uma cadeira e um abajur, desenhado pelo estreante cenógrafo Gilson P. Borges, aliada à iluminação sombria, dão o tom a atmosfera sinistra da narrativa.  

Concluinte do curso de Artes Cênicas na UFG, Sol Silveira apostou na obra de Edgar Alan Poe para fazer seu trabalho de conclusão, desempenhando com segurança o papel de Annabela.  O longo vestido negro criado por Célia Rodrigues dá à atriz ares de viúva negra, loucamente acorrentada no desespero de sua perversidade.

Foto: Gilson P. Borges