MUSICAL
ANJO NEGRO
“O teatro é mesmo dilacerante, um abscesso.
Teatro não tem que ser bombom com licor.”
Nelson Rodrigues
Anjo Negro |
Apesar
das mudanças sociais e comportamentais, a obra de Nelson Rodrigues, considerado
um dos mais importantes dramaturgos do País, continua a dividir opiniões. Mesmo
o tema de suas peças estamparem com destaque as páginas de jornais, e as telas da TV e do cinema diariamente, elas ainda chocam o espectador
pela ousadia e a realidade nua e crua, pintada com as cores da desgraça e da tragédia.
Não
é mesmo fácil apreciar a obra do dramaturgo, taxado de tarado e pornográfico
pelos seus críticos, por explorar o pior do ser humano: preconceito,
violência, incesto, famílias esfaceladas,
traição, taras, etc, etc... No ano do seu centenário, Nelson Rodrigues está sendo homenageado com
uma série de montagens, debates, seminários, leituras dramáticas e prêmios. A Cia. de Teatro Sala 3, do
diretor Altair de Souza, é uma das contempladas com o Prêmio Nelson Brasil
Rodrigues – 100 anos do Anjo Pornográfico, concedido pela Funarte/Ministério da
Cultura.
Para
homenagear o mestre, o diretor escolheu Anjo Negro, um dos textos mais densos e
complexos do dramaturgo, que aborda o preconceito racial, a violência
doméstica, o infanticídio, o adultério e outros assuntos pouco ortodoxos para espectadores
mais conservadores. O diretor optou por transformar o texto em musical, dando
um ritmo de samba à tragédia.
Anjo
Negro estreou no Rio de Janeiro ao mesmo tempo
que outros espetáculos produzidos por grupos de vários Estados. Sábado (22/09), o grupo apresentou-se no Teatro Sesi e conquistou um público fenomenal para os padrões
de peças locais. Nem o atraso de 45
minutos (infelizmente o público de Goiânia ainda não atinou que um espetáculo
deve começar na hora marcada) não tirou o ânimo da plateia.
Para
compor o elenco, o diretor convidou o ator carioca Marcelo Marques (Ismael),
Renata Mello (Virgínia), Andreane Lima
(Elias), Renata Weber (Tia), Ju Albuquerque, Flávia Caroline e Cris Paim
(primas), Lohanny Carvalho (Ana Maria).
Cercou-se de profissionais experientes para criar o cenário (Adriano
Augusto), a sonorização (Marcelo Hanna), o figurino (Hazuk Perez), e a
iluminação (Rodrigo Assis). Rebeca
Vazquez, uma das integrantes do grupo, assina a trilha sonora com músicas
originais.
Estética
Altair
de Souza não poupou recursos para fazer de Anjo Negro um grande espetáculo, dando
um ar atemporal à narrativa e uma estética diferente ao universo rodrigueano. Mas, na minha opinião, derrapou na composição do cenário, que é pouco funcional. O figurino,
especificamente das tias e das primas, peca pela excentricidade. Às vezes
incomoda os tons vibrantes da iluminação. Os atores se empenharam pouco (ou estavam
muito nervosos?) na interpretação de seus personagens.
Anjo
Negro narra a história de Ismael, o médico negro, casado com Virgínia, uma
mulher branca, que renega sua cor. Virgínia, que não ama o marido, seduz o
cunhado cego para ter um filho branco. Da relação nasce Ana Maria, menina
branca dominada pelo pai. Para que a filha nunca veja um homem branco, Ismael
pinga ácido em seus olhos e a menina fica cega.
Escrita
em 1946, Anjo Negro está entre as peças míticas de Nelson Rodrigues. Explora o
inconsciente primitivo, os arquétipos e os mitos ancestrais, segundo o crítico
Sábato Magaldi. Pela sua complexidade, Anjo
Negro despertou o interesse do diretor Altair de Souza. Não fosse o excesso de
informação da montagem, a direção multifacetada e a interpretação fraca dos
atores, Anjo Negro seria um bom espetáculo.
Foto: Gilson P. Borges
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