quinta-feira, 27 de setembro de 2012


MUSICAL  ANJO NEGRO

     

   “O teatro é mesmo dilacerante, um abscesso. Teatro não tem que ser bombom com licor.”

                                                                                                             Nelson Rodrigues

Anjo Negro
 

Apesar das mudanças sociais e comportamentais, a obra de Nelson Rodrigues, considerado um dos mais importantes dramaturgos do País, continua a dividir opiniões. Mesmo o tema de suas peças estamparem com destaque as páginas  de jornais, e as telas da TV e do cinema  diariamente, elas ainda chocam o espectador pela ousadia e a realidade nua e crua, pintada com  as cores da desgraça e da tragédia.

Não é mesmo fácil apreciar a obra do dramaturgo, taxado de tarado e pornográfico pelos seus críticos,  por  explorar o pior do ser humano: preconceito, violência, incesto,  famílias esfaceladas, traição, taras,  etc, etc...  No ano do seu centenário,  Nelson Rodrigues está sendo homenageado com uma série de montagens, debates, seminários, leituras dramáticas  e prêmios. A Cia. de Teatro Sala 3, do diretor Altair de Souza, é uma das contempladas com o Prêmio Nelson Brasil Rodrigues – 100 anos do Anjo Pornográfico, concedido pela Funarte/Ministério da Cultura.  

Para homenagear o mestre, o diretor escolheu Anjo Negro, um dos textos mais densos e complexos do dramaturgo, que aborda o preconceito racial, a violência doméstica, o infanticídio, o adultério e outros assuntos pouco ortodoxos para espectadores mais conservadores. O diretor optou por transformar o texto em musical, dando um ritmo de samba à tragédia.

Anjo Negro estreou no Rio de Janeiro  ao  mesmo tempo  que  outros espetáculos  produzidos por  grupos de vários Estados.  Sábado (22/09), o grupo  apresentou-se no Teatro Sesi  e conquistou um público fenomenal para os padrões de peças locais. Nem o  atraso de 45 minutos (infelizmente o público de Goiânia ainda não atinou que um espetáculo deve  começar  na hora marcada) não tirou o ânimo da plateia.

Para compor o elenco, o diretor convidou o ator carioca Marcelo Marques (Ismael), Renata Mello (Virgínia),  Andreane Lima (Elias), Renata Weber (Tia), Ju Albuquerque, Flávia Caroline e Cris Paim (primas), Lohanny Carvalho (Ana Maria).   Cercou-se de profissionais experientes para criar o cenário (Adriano Augusto), a sonorização (Marcelo Hanna), o figurino (Hazuk Perez), e a iluminação (Rodrigo Assis).  Rebeca Vazquez, uma das integrantes do grupo, assina a trilha sonora com músicas originais.

Estética

Altair de Souza não poupou recursos para fazer de Anjo Negro um grande espetáculo, dando um ar atemporal à narrativa e uma estética diferente ao universo rodrigueano.  Mas, na minha opinião, derrapou  na composição do  cenário,  que é pouco funcional. O figurino, especificamente das tias e das primas, peca pela excentricidade. Às vezes incomoda os tons vibrantes da iluminação.  Os atores se empenharam pouco (ou estavam muito nervosos?)  na  interpretação de seus personagens.

Anjo Negro narra a história de Ismael, o médico negro, casado com Virgínia, uma mulher branca, que renega sua cor.   Virgínia, que não ama o marido, seduz o cunhado cego para ter um filho branco. Da relação nasce Ana Maria, menina branca dominada pelo pai. Para que a filha nunca veja um homem branco, Ismael pinga ácido em seus olhos e a menina fica cega.

Escrita em 1946, Anjo Negro está entre as peças míticas de Nelson Rodrigues. Explora o inconsciente primitivo, os arquétipos e os mitos ancestrais, segundo o crítico Sábato Magaldi.   Pela sua complexidade, Anjo Negro despertou o interesse do diretor Altair de Souza. Não fosse o excesso de informação da montagem, a direção multifacetada e a interpretação fraca dos atores, Anjo Negro seria um bom espetáculo.     

Foto: Gilson P. Borges    

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