Dança butô é o principal ingrediente de Êxodo, terceiro espetáculo da trilogia Travessia, do Teatro Ritual
Os atores Nando Rocha e Pablo Angelino, do grupo Teatro Ritual, nunca esconderam a admiração pela dança butô, gênero criado no Japão após a Segunda Guerra Mundial pelos dançarinos e coreógrafos Kasuo Ohno e Tatsumi Hijikata. Ohno morreu em junho aos 103 anos deixando um legado que conquistou adeptos no mundo todo, como os dois atores de Goiás.
Inicialmente, o butô causou o maior impacto e foi chamado de “dança das trevas” pela ousadia em explorar o caos e o horror vivido pelos japoneses após as explosões da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki . Uma das principais características do butô são os solos silenciosos, a lentidão de movimentos como se fossem realizados em câmara lenta, baseados nas tradicionais danças japonesas de forte inspiração teatral. Expressão corporal e facial, concentração e entrega total aos personagens são fundamentais para quem aposta no gênero.
Desde o primeiro episódio da trilogia Travessia, Nando e Pablo dedicam o maior tempo possível, e correm atrás de todas as possibilidades para chegar à perfeição que a esse tipo de encenação exige. Estudaram, pesquisaram, fizeram diversos cursos, inclusive com o expert japonês Tadashi Endo, que atua na Alemanha, e tem estreitas conexões com artistas brasileiros.
Se na primeira Travessia – A Partida, eles abordaram o acidente radioativo com o Césio 137, ocorrido em Goiânia em 1987, na segunda Travessia – De Tão Longe Venho Vindo a abordagem gira em torno das distâncias, da solidão e das intempéries provocadas pelo tempo e pela vida. Neste terceiro espetáculo da série Êxodo é o tema. A produção narra a história de duas crianças que perdem o navio que as levará rumo ao desconhecido. Na travessia arriscada, os dois se deparam com as profundezas do mar sem fim, os mistérios do universo, as incertezas do amanhã. Ao mesmo tempo em que fazem a travessia pela vida, os personagens promovem um encontro consigo mesmo. “Todo verdadeiro lugar por onde atravessei está em minha alma, impresso em minha memória ancestral, manifestada em meu corpo. Estamos em constante travessia”, afirmam os atores no catálogo da peça, que fará temporadas em Quirinópolis e Pirenópolis antes de seguir para Belo Horizonte, Cuiabá e Curitiba.
Há momentos muito interessantes na nova travessia de Nando e Pablo pelo desconhecido. Sintonia não falta aos atores. Diferentemente dos espetáculos anteriores da trilogia, a Travessia III peca pela trilha sonora fora do contexto e algumas derrapadas na direção de Gustavo Collini, que o Teatro Ritual trouxe da Argentina para dirigir a dupla . Mas, apesar das imperfeições, que ainda podem ser sanadas, o espetáculo tem momentos de muita sensibilidade como a cena do barco.
Mais amadurecidos e experientes, Nando e Pablo estão bem em seus papeis. Pablo bem mais compenetrado e sincero em sua interpretação tem amadurecido a cada novo espetáculo. Travessia I é um bom espetáculo, Travessia 2, muito melhor e Travessia 3 tem ingredientes suficientes para ser tão bom o segundo episódio da série. Em todos os aspectos ainda prefiro De Tão Longe Venho Vindo.
O figurino de Solange e Ana Maria Mendonça enriquece a produção, assim como a iluminação de Roosevelt Saavedra, o cenário e a ambientação dos próprios atores. Na busca de aperfeiçoamento, Nando e Pablo investiram na orientação para a criação artística e treinamento butô de Yoshito Ohno e Natsu Nakagima, no Japão, e Joan Lagge, dos Estados Unidos.