quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

   

  OLHAR FEMININO


            

Ao completar 31 anos de atividades, a Quasar Cia. De Dança estreou no dia 18 de abril, o espetáculo inédito Estou Sem Silêncio no espaço que marcou o início de sua bem sucedida carreira: o antigo Galpão da UFG, no Setor Universitário, hoje transformado em Centro Cultural da UFG, apoiadora de primeira hora da companhia criada por Henrique Rodovalho e Vera Bicalho, em 1988. Até domingo, o grupo, que traz no elenco as bailarinas Gabriela Leite, Marcella Landeiro, Thaís Kuwae e Valeska Gonçalves, apresenta-se No Teatro João Caetano, em São Paulo, no evento Abril para a Dança. Nos dias 1º e 2 de maio, estará em Brasília, no Movimento Internacional de Dança. Novos horizontes se abrem com outras apresentações  que estão na agenda da companhia, inclusive em Goiânia, em junho.   

Com o mesmo entusiasmo que tem marcado suas três décadas de existência, a Quasar apresenta uma nova proposta de espetáculo: elenco reduzido e de fácil circulação, o que, segundo o coreógrafo Henrique Rodovalho se encaixa bem no momento que a companhia atravessa. Sem um espaço para chamar de seu, sem patrocinador e recursos escassos, o coreógrafo optou por um espetáculo simples, mas repleto de significado.  

 Atento as discussões relacionadas às questões de gênero, Henrique Rodovalho elaborou um espetáculo que tem a mulher como o centro das atenções. Quatro bailarinas expõem através do corpo sentimentos cotidianos do universo feminino. Mulheres sensuais, submissas e livres, alegres e tristes, que amam intensamente, sofrem, perdoam, vão do riso às lágrimas. Mas, que também, sutilmente, enviam alguns “recadinhos” para os homens. Quando tiram a blusa, como se estivessem em câmara lenta, perfeitamente sintonizadas, mostram que têm atitude, são e liberdade, independentes. São senhoras de si e do seu corpo, e capazes de romper com todos os padrões para ser felizes. 

Intimista, divertido e leve, a nova coreográfica de Rodovalho foi ampliada a partir de um quadro da coreografia Céu na Boca. O quadro, que também era dançado por bailarinas, apresentava alguns estereótipos do que seriam comportamentos da mulher. “Achei oportuna a discussão porque as questões de gênero, de empoderamento feminino, do combate à violência contra a mulher estão muito em evidência”, afirma o coreógrafo, completando que sua intenção é mostrar a força, a luta e  os desejos da mulher moderna. Com exceção do bolero de Ray Conniff, a música das cantoras Céu, Tulipa Ruiz e Grace Carvalho estão na trilha sonora do espetáculo.    

Desde 2017, a Quasar Cia. De Dança enfrenta dificuldades financeiras. A batalha tem sido árdua. O governo do Estado anterior havia sinalizado com novas possibilidades para o grupo, prometendo apoio e até uma nova sede onde o grupo pudesse desenvolver o seu trabalho. Sem esperar pelas promessas que ainda não se concretizaram, o grupo se mantém como pode, sem perder a esperança, e o mais importante, a qualidade do trabalho que a consagrou no Brasil e no exterior.   





  NAS TEIAS DA GIRO8




As relações humanas são tema recorrente das coreografias de Joisy Amorim para a Giro8 Cia. De Dança. Teia, seu mais recente trabalho, levado ao palco do Teatro Goiânia nos dias 13 e 14 de julho, em estreia nacional, não foi diferente. Agitado como as danças de rua, o espetáculo conta com o patrocínio da Lei Goyazes de Incentivo à Cultura para produção, estreia e circulação. Em breve, deverá ser apresentado em João Pessoa e Recife ainda este ano. A estreia internacional será na Argentina.    
Quinta coreografia do grupo goiano de projeção internacional, explora com muita competência as teias que se formam no nosso cotidiano ao longo da vida. Teias de relacionamentos, de amores e desamores, de desentendimentos, de afetos, alegrias e tristezas. As teias vão surgindo à medida que o tempo passa sem nos darmos conta. Mesmo discutindo um assunto tão complexo, o espetáculo é vibrante do início ao fim.
Como aranhas que tecem suas teias em silêncio, a coreografia vai tecendo relacionamentos intrincados com muita intensidade e vibração “como deve ser um espetáculo de dança” para usar as palavras de um bailarino. É como a vida pulsando agitada, desconectada nos movimentos intensos dos bailarinos. Muito bem sintonizado, coeso e ágil, o grupo faz a plateia se agitar, um quase convite para que suba ao palco de dance com eles.   
A dramaturgia do espanhol Antonio Gomez Cásas, em sua segunda parceria com Joisy Amorim, enriquece o espetáculo, fazendo  um elo de ligação entre as várias teias de sentimentos. Joisy investe nos movimentos das danças urbanas para dar mais agilidade à cena.  Mago dos vídeos, Paulinho Pessoa destaca-se pela ótima cenografia e Cleyber Ribeiro pela originalidade da trilha sonora. Com muito acerto, Joisy cerca-se de profissionais experientes para compor o elenco de parceiros, elevando cada vez mais o nível de suas criações. Parceiros de primeira hora, a ex-bailarina Erica Bearlz comanda os ensaios e Vanderlei Roncato, a criação cênica. Ex-integrante da Quasar Cia. De Dança, João Paulo Gross, assumiu as aulas de dança contemporânea dos bailarinos Emanu Rodrigues, Inaê Silva, Isabel Mamede, Felipe Silva, Jean Valber e Murilo Heindrich. 


Novos horizontes vão se abrindo para a companhia, que fez temporadas bem sucedidas Espanha e em Portugal.   À frente da Giro8 há quase oito anos, Joisy Amorim não tem se deixado abater pelas dificuldades na captação de recursos e patrocínios. Tem procurado fazer importantes parcerias, como esta com Antonio Gomez Cásas, para elevar a qualidade dos espetáculos, formar bailarinos profissionais e fazer apresentações no Brasil e no exterior. 
Criada em 2011 por Maria Inês de Castro, ex-diretora do Energia Grupo de Dança e Joisy Amorim, a Giro8 Cia. De Dança estreou com o espetáculo Retrato em Branco e Preto, em novembro daquele ano, revelando o que vinha dali em diante. Queriam fugir do óbvio e conquistar novas oportunidades para a dança contemporânea.   As relações humanas, as angústias da vida urbana, individualista, agitada, dominada pelos encontros e desencontros foi a primeira abordagem coreográfica do grupo, que o explorou ainda em ((Entre)) O Eu e o Mundo, Antes Que..., Sr. Will e agora em Teia. 
Com a saída de Maria Inês, em 2013, Joisy assumiu toda a responsabilidade da companhia, como diretora e coreógrafa. O trabalho exigente de criação levou-a a delegar a direção geral do grupo a Elaine Cruz, dois anos depois, para dedicar mais tempo à elaboração de coreografias e à direção artística. 
Desde seu primeiro espetáculo, a Giro8 Cia tem se destacado no cenário artístico conquistando premiações importantes como a Medalha do Mérito Cultural, concedida pelo Conselho Estadual de Cultura. Recebeu também homenagem da Câmara Municipal de Goiânia pelos relevantes serviços prestados à cultura.  Coreógrafa e diretora artística, Joisy Amorim foi agraciada com a comenda Ordem do Mérito Anhanguera, concedida pelo Governo do Estado de Goiás.
Patrocinado pela Lei Goyazes de Incentivo à Cultura para produção, estreia e circulação, Teia deverá ser apresentado em João Pessoa e Recife ainda este ano. A estreia internacional será na Argentina em data a ser definida.  
                     


                       MARCOS FAYAD, UMA VIDA DEDICADA À ARTE


 Ator, diretor, produtor cultura e dramaturgo, Marcos Fayad morreu no dia 17 de abril, em Goiânia



  
“Combati o bom combate. Encerrei a luta, e guardei a fé” a frase do apóstolo Paulo identificava o e-mail do grande diretor de teatro, autor, ator, produtor cultural,  psicólogo/psicanalista e artista plástico Marcos Fayad, que morreu hoje de manhã, no Hospital Santa Helena.  Lutou como um bravo contra um câncer que aos poucos foi minando suas forças, mas não afetava a imaginação sempre em ebulição.  Enquanto se tratava em Goiânia e São Paulo, devorava  livros, de preferência autores  latinos, escrevia, criava personagens e espetáculos imaginários. Amava a psiquiatra Nise da Silveira com quem  estagiou  na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, ao concluir o curso de Psicologia, e o poeta norte-americano Walt Witman. Guimarães Rosa era outra de suas paixões.  
Marcos Fayad era intenso. Mergulhava de cabeça em tudo o que fazia. Optou pelo teatro ainda muito jovem. Trabalhou com grandes nomes do teatro brasileiro, integrou elencos de peças que marcaram época.  Natural de Catalão, foi para o Rio estudar Lá descobriu a verve teatral, que o traria de volta a Goiânia nos anos 1980, a convite do então secretário de Estado da Cultura Kleber Adorno. Inspirado no livro Martim Cererê, de Cassiano Ricardo, batizou o  Centro Cultural Martim Cererê, e  foi seu primeiro diretor.  
Não só na doença, combateu o “bom combate”  No teatro, travou duras batalhas. Fez sacrifícios e  driblou a falta de recursos e patrocínios para levar ao palco espetáculos inesquecíveis como Martim Cererê,  o belo poema que fala dos primórdios do Brasil e dos povos primitivos. A primeira versão da peça de 1988 percorreu diversas cidades e foi destaque na França. Uma segunda edição viria em 1998, em comemoração aos 10 anos da histórica montagem. Martim Cererê foi um marco em sua carreira e pavimentou o caminho para muitas outras.  
 Fayad escreveu, adaptou, e  produziu dezenas de peças e musicais. Puro Brasileiro é outro grande destaque. Ficou  20 anos em cartaz, com elencos diferentes, mas sempre um sucesso por onde passava. O musical, que resgata as raízes da música brasileira, fez turnê de Norte a Sul do País, emocionando milhares de espetadores. Seus mais recentes trabalhos foram Cara de Bronze, baseado na obra de João Guimarães Rosa e Cerimônia para Personagens, do russo Daniil Kharnus, de 2017, uma experimentação moderna e diferente de tudo aquilo no qual vinha apostando. Terminou aí seu trabalho na direção. 
 A instigante obra do dramaturgo francês Antonin Artaud levou ao palco como ator. Fayad a encenou com requinte em curta temporada na Capelinha São José, construída dentro do Clube do SESI Antônio Ferreira Pacheco, gentilmente cedida  pela diretor do Teatro SESI, Teco Faleiro. Apresentou-se também no Rio e em São Paulo. Com ela, despediu-se de Artaud, por quem tinha enorme admiração, assim como o filósofo Nietcheze, sua leitura de cabeceira.   
Marcos Fayad gostava de reunir amigos e atores para leituras dramáticas em jantares informais de comida árabe, esmeradamente preparada,  e vinho tinto em sua enorme casa rodeada de jardim.  Discos que trazia de suas viagens tocavam ao fundo. Apesar da origem árabe, era um apaixonado pela terra Goiá, a fazenda em Catalão, o interior sertanejo. Com rara sensibilidade, levou para o palco a beleza do cerrado e do homem sertanejo  em peças como Voar, baseada na obra do goiano Gil Perini, e Cerrado Celular, uma ousadia à época da encenação. Marcos apresentou a peça  debaixo de uma enorme tenda no estacionamento do Shopping Flamboyant. Recriou o ambiente de uma fazenda com cavalos, vacas e peões para falar sobre a chegada da modernidade do meio rural. Cabaré Goiano movimentou o Teatro Pyguá do Martim Cererê durante cinco anos, com muita música, cenas curtas debochadas e divertidas.  O sertão de Guimarães Rosa ganhou uma produção à altura em Cara de Bronze.  
Exigente, carismático, genioso, vaidoso. Mas, acima de tudo um  profissional de primeira linha. Formou uma geração inteira de atores que hoje ocupam os palcos.  Gostava de trabalhar ouvindo música, o canto dos pássaros, o latido dos  cachorros, seus companheiros inseparáveis, fazer bonzai, outra paixão. As paredes forradas de quadros, as estantes repletas de livros. Seu mundo era assim: com muita arte em torno de si. “Arte de qualidade!”, diria com muita ênfase, pronunciando  bem as palavras. Viveu de arte, e só de arte. “Não tenho  emprego público nem privado. Vivo de arte. Quero fazer o melhor”, dizia. 
Marcos Fayad deixou uma obra memorável, e seu nome escrito na história do teatro brasileiro. 
  Texto publicado no jornal O Popular