DRAMATURGIA
“A
dramaturgia é a forma mais estruturante, é o elemento básico da cena teatral”
(Kil Abreu)
Pesquisador do teatro brasileiro, curador do Centro Cultural
São Paulo e crítico teatral, Kil Abreu ministrou a primeira oficina do Núcleo
de Dramaturgia, promovido pelo SESI, com o apoio da Lei Goyazes de Incentivo à
Cultura. No encontro com 16
participantes de Goiânia, selecionados previamente por uma comissão de alto nível, Kil Abreu traçou um Panorama da Dramaturgia
Brasileira, assunto extenso que mereceu ampla discussão.
Para ele, a dramaturgia é essencial, o elemento
básico da cena teatral. Na sua
avaliação, o teatro brasileiro vive hoje um processo liberalizante, bem diverso
do que viveu nos anos 1980. Autores, diretores, atores e coletivos ousam,
experimentam, abordam mais temas atuais com enfoque na realidade brasileira. “Talvez hoje, a gente esteja vivendo muito
mais do que em outras décadas, a criação de formas próprias, seja na
experiência do grupo, dos coletivos de teatro, às vezes mais ou menos
desenvolvidas dependendo do Estado em que se vá, seja nas figuras de autores de
gabinete. Você descobre este Brasil sob um olhar novo, ou um olhar que revela a
realidade como ela é hoje, num sentido de visitar a realidade de maneira
própria”, sublinha.
Kil considera importante o fomento a novos autores e
enaltece a iniciativa que oferece a
oportunidade aos que querem ampliar seus conhecimentos na área. O fato de
conhecer pouco a cena de Goiânia animou Kil a vir ministrar a oficina. “Como
pesquisador, tenho muito interesse em conhecer todas as vertentes do teatro
brasileiro. É muito bom compartilhar conhecimentos, encontrar pessoas, saber o
que está sendo feito”, afirma.
Leia
abaixo alguns trechos abordados pelo pesquisador.
"Todos têm uma paixão viva pelo teatro" |
Fora
do eixo
“É
uma experiência que primeiro inclui autores com perspectivas do teatro, da
vida, do mundo muito diversas. Isso nos coloca diante também de uma produção
para o teatro que é muito diverso, que tem muitas frentes diferentes, desde o
teatro mais calcado, mais enraizado na tradição do drama, usual, do teatro mais
tradicional, das formas dramáticas mais tradicionais até as formas teatrais
experimentais mais radicais. Tudo isso faz parte da dramaturgia brasileira
contemporânea. Os autores não estão mais
tão concentrados no eixo Rio-São Paulo,
mas sim em todo o Brasil. De norte a sul”.
Relevância
“O
que me parece de mais relevante nesse contexto tão diverso (da dramaturgia) é o fato de que a novidade histórica vive hoje
uma liberalidade, vamos dizer assim. Ela é incomum se comparada, pelo menos ao
teatro até nos anos 80, talvez. O que isso quer dizer? Que até esse período a
gente vivia razoavelmente tentando cumprir a tarefa de atualizar no Brasil
formas dramatúrgicas importadas, digamos assim, correr atrás de certas
estruturas dramatúrgicas, narrativas. Às vezes de maneira competente,
importante, interessante. Mas que eram tributárias de uma outra cultura. De um
certo momento pra cá, especialmente hoje, dentro disso que eu estou falando (
de certa liberalidade da criação) a gente esteja praticando um teatro “errado”
do ponto de vista de uma certa tradição da dramaturgia. Mas “certo” do ponto de
vista da nossa necessidade própria de expressão, das nossas gerações, da nossa
sociabilidade, das formas como nós brasileiros apreendemos, aprendemos a nos amar, a nos odiar, a nos
explorarmos a sermos parceiros”.
Novo olhar
“Não
é que não tenha havido antes um teatro brasileiro. É que o teatro brasileiro
até a umas duas décadas atrás cumpria um pouco a pauta de formas dramáticas que
vinham sendo ditadas de fora para dentro. Talvez hoje, a gente esteja vivendo,
muito mais do que em outras décadas, a criação de formas próprias, seja na
experiência do grupo, dos coletivos de teatro, às vezes mais ou menos
desenvolvidas dependendo do Estado em que se vá. Seja nas figuras de autores de
gabinete, você descobre este Brasil sob
um olhar novo, ou um olhar que revela a realidade como ela é hoje, num sentido
de visitar a realidade de maneira própria. Desde autores como Luis Alberto de
Abreu, por exemplo, que é um autor mineiro que
vive em São Paulo e que acabou de escrever uma peça linda chamada “
Cabras, Cabeças que Voam, Cabeças que Rolam”. É
uma espécie de texto pré-dramático, narrativo, que diz muito sobre nós,
sobre o Brasil. São quadros sobre o cangaço, uma referência relativamente
antiga mas que nos surpreende com muita atualidade. Até autores do Nordeste, como
Emanuel Nogueira que faz uma experiência com o que ele chama de tragédia em solo sertanejo, uma forma da
tragédia traduzida no universo do sertão. Uma coisa bastante especial. São
textos muito bonitos. Até uma jovem
autora, Grace Passô, mineira muito
importante, que tem uma dramaturgia
lírica, poética e que nem por isso deixa de dizer sobre as nossas formas
de relação. Até as dramaturgias criadas dentro dos grupos de teatro. São Paulo, por exemplo, é uma cidade com muitos grupos de periferia,
como a Brava Companhia, e outros que se
organizam para criar dramaturgias próprias. O que a gente chama de Dramaturgia Brasileira
Contemporânea é nutrida por todas essas frentes, seja de autores especiais,
seja de grupos de teatro, e até de autores que escrevem por encomenda e acabam
gerando obras belíssimas”.
Fomento
“É
muito importante. Diria que é essencial para a vida do teatro. Aqui (em
Goiânia), como em qualquer lugar do Brasil, a dramaturgia é o elemento mais
estruturante, no sentido de que é o elemento básico, do qual o espetáculo
cênico nasce. Fomentar o trabalho dos dramaturgos, formar novos dramaturgos, é
sempre um projeto da maior importância. No caso especial de Goiânia, a
preocupação com a qualidade é muito
grande. As pessoas que estão selecionadas para vir falar (no Núcleo de
Dramaturgia do SESI) são todos muito
importantes na cena teatral, incríveis.
Alguns, inclusive, têm grande experiência não só na escrita como na
pedagogia do texto teatral. Roberto
Alvim, Samir Yasbek e Grace Passô são autores centrais hoje na cena, que também
têm projetos formativos, fazem parcerias, dialogam, trocam experiências com
outros dramaturgos”.
Diversidade
“É um grupo (selecionados para o Núcleo de
Dramaturgia SESI) muito diverso, o que é
ótimo para um processo de formação. A diversidade alimenta. É melhor ter um
grupo diverso e com experiência, com repertório, com expectativas de teatro. Na
interação, eles podem se ajudar
mutuamente, se iluminar. Às vezes dentro de algum conflito, podem criar
possibilidades de crescimento artístico uns em relação aos outros. Isso é um
dado interessantíssimo. A segunda coisa
importante, que eu percebi, é que todos (participantes) têm uma paixão
viva pelo teatro, ainda que nem todos tenham o mesmo repertório. Tem gente que
gosta de teatro mais como espectador do que como autor, ainda que a maioria
esteja já escrevendo, mas que tem interesse vivo na direção. Essas
diferenças acabam colaborando para um projeto que acho muito interessante, do ponto de vista da
colaboração entre eles”.
Foto: Josemar Callefi