terça-feira, 12 de janeiro de 2010

POÉTICA CORPORAL DE NEWTON MURCE


Primeira matéria de minha autoria publicada em 2010 no Magazine do Popular sobre o professor, ator e escritor Newton Murce. Acho importante registrar neste espaço.


Professor, ator e escritor, Newton Murce possui uma inquietude que o leva a questionar tudo, saber o por quê das coisas e se aprofundar nos temas de seu interesse. Sente necessidade de teorizar, para depois pôr em prática, de preferência com a máxima perfeição. Murce confessa não conseguir ser apenas ator, atuar no palco sem mergulhar na essência da obra. Essa necessidade de saber como o ator cria o corpo para a cena e como a psicanálise pode contribuir no processo de criação levou-o a um amplo e pormenorizado trabalho de pesquisa, sob a orientação da professora Nina Virgínia de Araújo Leite, que culminou na sua tese de doutoramento Corpoiesis: Um Ator, Uma Escrita, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem, na Unicamp (SP), em 2006.

No período de estudo, Newton Murce deu um tempo no palco, mergulhando de cabeça na pesquisa que denominou Corpoiesis: A Criação do Ator, publicada pela Editora da UFG, em dezembro de 2009. Sem badalação, o livro chegou à livraria da Universidade Federal de Goiás, onde pode ser adquirido ao preço de R$ 15. Trata-se de um texto essencial para profissionais das artes cênicas, professores e pesquisadores.

Para Newton Murce, um ator nunca sai de uma produção do mesmo jeito que entrou. Daí a necessidade de entender como se dá esse processo."O que mais interessa ao artista é entender o ato da criação, como acorre, quais efeitos produz no próprio corpo, na vida. Não há como não mudar depois de um trabalho", afirma. Ele ressalta que seu trabalho diz respeito somente ao ator, do seu processo de criação, fundamentado em estudos da psicnálise. "Considero que o corpo do ator não é um corpo qualquer, do sujeito falante, sujeito do cotidiano, mas um corpo outro, novo, criado para a cena, corpo criado como poesia (corpoiesis)", argumenta.

Autores e teóricos ligados às artes cênicas e à psicanálise como Antonin Artaud, Grotowski, Peter Brook, Lacan, Freud, Deleuze e muitos outros serviram de suporte para a pesquisa. Murce também conversou com atores e atrizes para saber como se dava o processo de criação do personagem, e os efeitos produzidos no corpo com a experiência. Não era sua intenção provar no diálogo que manteve com Cacá Carvalho, Miriam Muniz, Ana Lúcia Torre, Ricardo Blat, Simone Spoladore, Luiz Peäetow, Eduardo Moskovis e integrantes dos grupos Lume e Galpão. Queria subsídios para entender a composição poética para a cena.

A leitura do livro Água Viva, de Clarice Lispector, associada à pesquisa resultou no monólogo Atrás do Pensamento, que estreou em 2007, premiado em algumas categorias no Festival de Teatro de Teresina, no Piauí. Para dirigi-lo convidou Luiz Peäetow, de Campinas (SP). "A obra de Clarice teve grandes efeitos em mim. Com o espetáculo pude praticar um pouco da teoria de como seria o processo de criação do corpo do ator dentro da cena a partir da teoria psicanalítica", afirma.

Mesmo se tratando de uma obra científica e específica para o segmento artes cênicas, Corpoiesis: a Criação do Ator aborda um assunto interessante para quem pretende entender melhor o processo que se dá quando o ator "veste" o personagem na cena. Caprichada, a edição ganhou capa ilustrada com desenho do artista Clóvis Graciano e apresentação do ator/diretor Marcos Fayad. "Sou testemunha de que o seu corpo foi submetido a mudanças radicais nos espetáculos tão diferenciados que encenamos. Ele tomou minhas ideias incipientes e as levou muito mais longe do que um ator comum o faria, tomou-as para si e elevou-as à categoria de obra de arte pessoal, sem se espelhar em ninguém. O ator é sua própria obra de arte e Newton Murce percebeu muito cedo em que isso consiste", escreveu o diretor da Cia. Teatral Martim Cererê, com quem Newton trabalha há 20 anos.

Dificuldade de se expor
Há 15 anos, professor de inglês do Cepae-UFG, Newton Murce estreou como ator aos 16 anos, atuando com Hugo Zorzetti, do Grupo Exercício e fundador do curso de Artes Cênicas na UFG. A estreia em Lições de Anonimato, em 1987, foi o primeiro passo em direção à carreira, e à busca de novas oportunidades no palco. Em 1988, integrou o elenco da Cia. Teatral Martim Cererê, recém criada pelo ator e diretor Marcos Fayad, participando da primeira versão da peça Martim Cererê, considerada um marco do teatro em Goiás.

Murce tem participado de praticamente todas as peças do grupo como Cabaré Goiano, Cara-de-Bronze, Na Carreira do Divino, Puro Brasileiro, Café Cantante Punhal Reluzente e a mais recente Theatro Muzycal Profano, a mais recente produção do grupo. Este ano, deve participar de mais um musical de Marcos Fayad. Ator competente, Newton Murce surpreende também como cantor. Segundo ele, a preparação vocal com a professora e maestrina Joana Christina Azevedo tem sido muito importante para dar segurança no palco.

Nascido em Goiânia, 40 anos, Newton Murce não dispensa nenhuma atividade que contribua para sua formação como profissional seja na escola ou no palco. Ex-integrante do Grupo Gwaya Contadores de Histórias, o ator adora escrever para crianças. Para este segmento especial, publicou Diferente Igual a Todo Mundo, Viagens e Haja Fôlego! "Sempre gostei de escrever e representar", conta o ator, que com a crítica teatral e professora Carmelinda Guimarães assina a biografia de Marcos Fayad. Tímido e reservado, revela ter dificuldade em se expor. "Tenho uma relação complicada com a exposição. Acho difícil, apesar de ser uma necessidade que se instalou em mim desde a infância, assim como o hábito de escrever. Sinto prazer com o que faço", explica.

Sempre atento ao movimento cultural da cidade, o ator acredita que a criação da Escola de Artes Cênicas contribuiu muito para melhorar o nível das produções locais e à formação de atores. "Não temos uma tradição teatral. É importante formar público, e para isso é preciso oferecer um bom trabalho", argumenta.

Corpo esculpido ou decomposto
Com a experiência de quem está no palco há 25 anos, interpretando os mais variados personagens, Newton Murce explorou com muita competência o processo de interiorização do personagem, e o processo que ocorre com o corpo do ator no momento da criação. Corpoiesis: A Criação do Ator é uma importante contribuição do ator goiano à bibliografia de artes cênicas. É muito bom saber que agora os atores têm à sua disposição um trabalho bem fundamentado para ajudá-los a compreender a complexidade do ato de interpretar e de conhecimento do próprio corpo. Murce contribui de forma admirável na formação dos novos atores.

Diferentemente do que o leitor possa imaginar, Newton não aplicou a psicanálise no campo da arte. Ela serviu de fundamentação para o entendimento do corpo, não o corpo biológico, orgânico, mas um corpo constituído pelo simbólico. No exaustivo processo de pesquisa, Newton conclui que diante do texto o ator se fragiliza em busca de um corpo novo, que já está ali no corpo do artista. Mas, que precisa ser esculpido ou decomposto para dar lugar ao novo, à composição poética. Isso ocorre pela repetição jamais idêntica em si mesma. É escrita poética, na sua opinião, que produz o novo, o corpoeisis, neologismo criado a partir do grego poiésis (criar) e poiétikos (inventivo).

Livro: Corpoiesis: a Criação do Ator
Autor: Newton Murce
Editora: UFG - Coleção Critérios
Páginas: 207
Preço: R$ 15

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

UM 2010 ILUMINADO PARA O TEATRO!

2009 - UM ANO PRODUTIVO PARA O TEATRO GOIANO


2009 termina. É mais um ano vivido, mais rugas no rosto e experiências acumuladas. É também o momento de passar a vida a limpo, jogar fora o que não vale a pena, guardar e fazer novos projetos. Confesso, que não faço nada disso. Ano-Novo, para mim, é sinônimo de continuidade, mudança de calendário. Os problemas continuam , o trabalho segue curso normal, as histórias se repetem...

Há muito tempo não faço planos. Vivo um dia de cada vez, procurando driblar os dissabores, apagando o lixo da memória e os sentimentos de derrota. Sei que na vida tudo é provisório, e que coisas boas e ruins passam um dia. Infelizmente, ainda me apego a algumas coisas. Não sei que importância podem ter, mas pelo menos preenchem o vazio da existência . Este blog é um exemplo. Ele surgiu como um espaço destinado a expor meu ponto de vista sobre teatro, um assunto que aprecio e toma boa parte do meu tempo.


Acho interessante registrar este momento tão produtivo que o teatro em Goiânia está experimentando, o esforço dos grupos, dos atores que se esforçam ao máximo para oferecer ao público o melhor de si. Reconheço as dificuldades, as condições precárias, a falta de patrocínio e de reconhecimento de cada um. Tenho o maior respeito por todos e faço torcida para que encontrem o caminho do sucesso que tanto almejam.

Reconheço também as minhas limitações. No entanto, procuro com o meu trabalho contribuir na divulgação do trabalho de cada ator e grupo de teatro da maneira que posso. Para isso, conto com o apoio da editora do Magazine, Rosângela Chaves. Ex-integrante do Grupo de Teatro Universitário, fundado nos anos 1980 na Universidade Federal de Goiás, pelo escritor, pesquisador e médico Carlos Fernando de Magalhães, Rosângela vê com muita simpatia a cena teatral da cidade. Com toda certeza, O POPULAR registra para a posteridade a história do teatro em Goiás.

Festivais
Mesmo limitado, este espaço é do artista de teatro de Goiás, que em 2009 mostrou com muita dignidade do que é capaz. Tivemos momentos importantes com a realização de mais uma edição da divertida Galhofada, no Setor Pedro Ludovico e do Festival Internacional de Artes Cênicas Goiânia em Cena, com uma programação do mais alto nível. O Festival do Boneco, que trouxe à cidade bonequeiros de várias partes do País e do exterior, foi uma agradável surpresa. O projeto SESI Bonecos passou também pela capital com dezenas de atrações de qualidade, deixando um rastro de alegria.

O Circo Laheto abriu a programação teatral com a História de Goiás no Picadeiro mostrando todo o potencial da garotada que está sendo formada em sua escola para assumir o circo de amanhã. Circulou por diversas cidades, contando a história do Estado com muita competência. O circo do Maneco Maracá, como é mais conhecido, vive um momento especial, abrindo mais espaço para si e seus futuros artistas. Foi dele o prêmio de melhor espetáculo do Festival Goiânia em Cena 2009.

Opiniões divididas
Fora da grade de programação dos festivais, os espetáculos Boi e Balanço dividiram as opiniões. Os comentários foram contra e a favor das duas produções. Escrito por Miguel Jorge, Boi foi adaptado pelo diretor Hugo Rodas, para adequar-se à produção do ator Guido Campos Correa. A produção do artista, que ficou 12 anos em cartaz com A Terceira Margem do Rio, fez diversas temporadas nos fins de semana e bombou no Festival Goiânia em Cena 2009 e na Mostra de Teatro de Porangatu - 8º Tenpo. Guido preparou-se para viver o personagem Zé Argemiro, esmerando-se na expressão corporal e na interpretação, despindo-se de vez das vestes do personagem de Guimarães Rosa.


Bruno Peixoto surpreendeu em Balanço, monólogo escrito especialmente para ele pelo diretor e autor Danilo Alencar. Mais experiente, o premiado ator deu o melhor de si no papel do jovem gay incompreendido pela família. Bruno lapidou seu talento em curso com Eugênio Barba na Dinamarca e em oficinas de aperfeiçoamento. Não foi à toa que ele arrebatou a plateia da Mostra de Porangatu com o personagem criado com muita sensibilidade por Danilo. Deixou no chinelo os astros globais Bruno Gagliasso e Thiago Martins, do grupo Nóis do Morro, com o fraco Aonde Está Você Agora, que abriu a Mostra de Porangatu.

Ajustes
Ainda precisando de ajustes e um elenco mais afinado, o diretor João Bosco Amaral acertou na escolha do texto de Macário, último texto escrito pelo romântico Álvares de Azevedo. Macário tem muitos pontos positivos: produção bem feita, figurinos adequados, bom cenário e uma direção correta. Infelizmente, o elenco não convence nos seus papéis.

Dejá vu
Há quem diga que o diretor Marcos Fayad, da Cia. Teatral Martim Cererê vem se repetindo nos seus últimos trabalhos. Há uma sensação de dejá vu. Depois de Puro Brasileiro, o espetáculo mais bem-sucedido da companhia, há oito anos em cartaz, Fayad tem investido cada vez mais nos musicais, assinando ele próprio o roteiro e a direção. Theatro Musical Profano foi a produção da vez. Mesmo com um trabalho de pesquisa muito bem fundamentado, boas interpretações e uma seleção musical impecável, o espetáculo não emplacou. Diferentemente do Musical Profano, Puro Brasileiro fez temporada concorrida no SESC Caldas Novas, e Marcos Fayad já pensa numa segunda edição para 2010.

Dança
Dois espetáculos de dança mereceram destaque em 2009. Céu na Boca, da Quasar Cia. de Dança e Perfume Para Argamassa, trabalho inovador que mescla dança às novas tecnologias, criação de Kleber Damaso. Surpreendente.

Decepções
Apesar do esforço, a Cia. de Teatro Nu Escuro não emplacou a sua criação coletiva Preciso Olhar, dirigida por Henrique Rodovalho. Morno, arrastado e interpretações fracas, o espetáculo gerou expectativa. Mas, deixou muito a desejar. Sob a direção do competente Hugo Rodas, Indecência derrapou feio. Os atores Adriana Veloso e Tiago Benetti não conseguiram convencer no papel de um casal moderno, que investe nas fantasias eróticas para salvar a relação. Nada original, o texto também não contribui com a produção com cenário e figurinos em tons vermelho e preto, e música eletrônica comandada pela DJ Simone Junqueira.